Guto revela as dificuldades da profissão e aponta o design thinking como um caminho para o futuro. Mudanças de paradigmas.
Reconhecido internacionalmente, Guto Índio da Costa é um dos mais premiados designers industriais do Brasil. Nem por isso a vida é fácil para ele! Tanto que desistiu de exportar produtos de design para exportar projetos.
Corredor Expresso BHLS Transoceânica, Niterói, RJ: o projeto venceu o prêmio da Brasil Design Award com classificação Ouro. Ao lado Chaise Longue, de 2019.
Motivos para tomar essa decisão não lhe faltam. O primeiro deles está diretamente ligado à instabilidade da economia do Brasil, algo importantíssimo quando se trabalha em larga escala. “A indústria tem um ciclo muito longo para desenvolver um produto e não consegue fazer isso se, no início de um projeto, a Selic está a 3% e depois sobe para 14%”, explica.
O Ventilador Spirit é umas das peças mais premiadas da história do designer.
Criador de um dos produtos brasileiros mais premiados da história, o ventilador Spirit, o designer carioca também aponta como desafio atender às muitas normas técnicas que variam de país para país e determinam características específicas de tamanho, forma, funções e outros detalhes que podem afetar o produto. “Conseguimos vender o Spirit para fora, mas enfrentamos dificuldades porque há uma série de normas bem diferentes das nossas, o que inviabilizou”, explicou. “Infelizmente, a exportação de design é para poucos. Para uma Embraer e uma Havaianas, que têm grande porte”.
Outro exemplo é a esteira para academia que exportou para a Alemanha e a Austrália. “Passados seis meses, recebemos reclamações. No inverno, ela dava choquinho estático. Tivemos de movimentar nossa equipe para a Austrália e trocar todas as peças”, lembra. “Agora, eu vendo meu desenho e licencio para que as empresas desenvolvam seguindo as normas locais”.
DESIGN THINKING
“As pessoas se inclinam a pensar que o futuro é mais tecnológico, mais complexo, mais automático, mais parecido com uma máquina, e nós tendemos a pensar que o futuro é mais humano. A tecnologia é fantástica, mas deve ser transformada em uma experiência muito humana, senão fica tão complexa que ninguém consegue trabalhar de verdade”, diz Guto sobre sua filosofia de design.
Por isso, ele aponta o design thinking como uma das grande mudanças no mundo do design. “Os profissionais são treinados a entender os desejos, a investigar e desenvolver diferentes técnicas para considerar outros sinais que nem sempre são detectados. Infelizmente, a educação formal nos ensina de maneira focada e objetiva, razão e consequência. Mas o design não tem essa linearidade. Há milhares de maneiras de desenhar qualquer coisa. Por isso, o design thinking é uma mudança fantástica, uma revolução”, afirma.
Guto lamenta que as universidades de design ainda fragmentam as áreas de atuação. Para ele, ter uma percepção mais ampliada do design é essencial. Para exemplificar, ele conta que, graças a uma visão macro, hoje, seu escritório, o A.U.D.T., trabalha em projetos ambiciosos, mas não exatamente com a antiga concepção de design.
Um deles é o do Parque da Orla de Balneário Camboriú, em que a ideia é trazer diversas atividades para a calçada da Avenida Atlântica, com dog parks, playgrounds, academia de ginástica e ciclofaixa. “Esse projeto interage com pessoas com diferentes expectativas, e atendê-las se tornou trabalho de design, ainda mais agora, quando as cidades são produtos que disputam entre si o turismo e a qualidade de vida”, explica. “O mundo do design está fracionado e, com isso, criou uma série de especialistas que perderam a capacidade de juntar as pontas. Mas é muito importante ter a visão holística, porque, quando o design vira especialista, perde a capacidade de ver o todo, o que é nossa maior força e qualidade”.
Design thinking é uma metodologia usada para encontrar soluções inovadoras de produto, processos ou serviços para atender às necessidades das pessoas.
Projetos como este, na Orla do Rio (foto) ou em Balneário Camboriú assinados por Costa, mostram que design pode ir muito além.
// Foto: ©ANDRÉ NAZARETH