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O DESIGN SE CURVA À NATUREZA

// Por Edson Valente – O Design se curva à Natureza

Se no princípio era o Verbo, não demorou para surgir a comunicação das espirais, estilizadas nas duplas hélices das estruturas do DNA. Seu de- senho tem sido inspiração para muitas produções artísticas, tecnológicas e arquitetônicas ao longo dos tempos, assim como outros elementos da natureza que replicamos sob o viés autoral, ainda que o ineditismo da obra seja relativo.

Afinal, no que se refere ao design, é bem aplicável a máxima de que o que se cria é bem menos abundante do que se copia. E, aqui, quando falamos em copiar, não objetivamos a detração da originalidade auferida a tantas e tantas invenções humanas. Não sugerimos plágio ou questionamos o valor estético do que se produz pela nossa inteligência.

O ponto é que, em se tratando de concepção morfológica, o cosmo é imbatível. Consta que essa era, inclusive, a crença de um dos artistas mais conhecidos da humanidade: Leonardo da Vinci. Para ele, considerada a inclinação cientificista do movi- mento que integrou, o Renascimento, os conheci- mentos das ciências também eram necessários para a formação de um bom artista, uma vez que a ele cabia representar a natureza.

A Antiguidade Clássica e seus ideais de beleza foram prepostos de da Vinci, mas muitas pinceladas contemporâneas a ele se propuseram a romper com a harmonia, ou a criar outros tipos de distribuição de formas no espaço. Tomemos “Guernica”, o famoso retrato de Pablo Picasso dos horrores da guerra. Distorção, desespero, deformação, angústia, sofrimento. Ali, tais elementos advêm das disputas pelo poder entre os de nossa espécie e sugerem a instauração do caos, apesar de a pintura em questão apresentar uma composição simétrica. Porém, as origens do desalinho ultrapassam a humanidade e estão no próprio universo, que também é configurado pelo caótico. Nada mais natural.

O inesperado, o conflituoso e o destrutivo alimentam os cenários de transformação convulsiva 

que nos encurralam nessa era cunhada de Quarta Revolução Industrial. A estética dos grafismos acompanha a desordem vertiginosa, expandindo técnicas e campos de intervenção. A virtualidade passou a ser uma realidade de mimetismo camaleônico, enquanto a natureza em si, esgotável e esgotada, se contorce pela sobrevivência, clamando pela continuidade.

No âmbito de contorções contínuas, as espirais de DNA seguem em processo de multiplicação nesse contexto extremo. Epicentro criativo de artistas como a parisiense Louise Bourgeois, que, por sinal, ressignificava a anatomia do corpo humano em suas obras, a gênese helicoidal ganha novos contornos em projetos como o do Spiral, edifício comercial inaugurado em Nova York neste ano de 2022.

As fachadas do prédio são rodeadas por sequências de terraços verdes que conduzem nossa percepção para o infinito, determinando, para além da funcionalidade, o caráter representativo de nossa busca por novos meios de conexão e perpetuação. O Spiral foi concebido como um traço de desafogo ambiental cravado na megalópole.

A capacidade simbólica referendou o design como um dos marcadores de nossos ciclos de desenvolvimento. É compreensível, então, que ele, como recurso fundamental de linguagem e comunicação, estabeleça novos elos a favor de sua maior fonte inspiradora nestes tempos em que ela se encontra tão ameaçada. 

Edson Valente é jornalista e escritor. Publicou os livros Refluxos (Ateliê Editorial, 2010), Pow-Emas e Outros Jabs Líricos (Editora Patuá, 2014), Raiz Forte (Editora Patuá, 2015), Lençóis em Leitos Coletivos (Editora Patuá, 2018) e A Mãe Escondida (Editora Patuá, 2020). 

// Ilustração: © Lucas Fernandes

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