Skip to main content

O SABOR QUE VEM DA EMOÇÃO

Em seu mais recente projeto, o restaurante Mesa do Lado, Claude Troisgros reúne gastronomia, histórias de viagens, lembranças de família, música e tudo o que estimula os cinco sentidos.

POR SIMONE RAITZIK

CLAUDE TROISGROS NASCEU entre panelas e temperos, em uma família cujo sobrenome acompanha a gastronomia francesa há quase um século. Ainda hoje, os Troigros são donos de dois restaurantes na região de Roanne, no centro da França, onde tudo começou e de onde Claude partiu para criar raízes no Rio de Janeiro. Não foi à toa que ele escolheu a gastronomia como profissão. “Sou a terceira geração que segue no mesmo métier”, conta. No Brasil, ficou famoso por unir a culinária tradicional francesa aos sabores exóticos dos trópicos e por ser uma referência de simpatia (e empatia) nos programas de televisão que apresenta, muitas vezes ao lado de seu fiel companheiro, o paraibano João Batista. “Foi com ele que conheci o jabá com jerimum, ou carne-seca com abóbora. Virou meu prato preferido, com um sabor recheado de afeto e amizade.” Há dois anos, Claude inovou mais uma vez ao montar o restaurante Mesa do Lado, projeto em que a alta gastronomia se faz acompanhar por uma bem orquestrada projeção de imagens, luzes, música e poesia. É uma experiência que estimula todos os sentidos.

“Nos vilarejos, conheço de forma intensa os sabores, as pessoas e a cultura local. Essa troca é um vício e alimenta meu processo criativo.”


&DESIGN:
“Acho que você nasceu no país errado, não?”. Esta frase, do seu pai, se justifica nos mais de 40 anos em que você vive no Brasil?
CLAUDE TROISGROS: Sem dúvida. Aos 24 anos eu saí de Roanne, em 1979, um vilarejo de 50 mil habitantes no centro da França, cinza e frio, para montar o Le Pré Catelan em Copacabana, no Rio. Na época eu trabalhava no restaurante da família, que inovou muito a gastronomia francesa nos anos 1960 e 1970. Imagine a mudança! Fiquei louco com o estilo de vida dos cariocas, o sol, a praia e a espontaneidade, e resolvi ficar de vez no Brasil.

&D: Falando em viagens, você é um aventureiro nato. Conhece o Brasil inteiro e a moto é seu meio de transporte. Conte como são suas experiências na estrada.
CT: Ando de moto desde muito novo e é a minha segunda paixão, depois da cozinha. Todo ano programo uma viagem longa, de pelo menos um mês. Na maioria das vezes, gosto de ir sozinho, porque sinto melhor a cultura do lugar onde estou. Geralmente, chego a uma cidade pequena e estaciono na praça. Logo as crianças vêm puxar papo, depois os pais e, quando vejo, estou dentro da casa das pessoas cozinhando com elas. Isso é maravilhoso! Fiz um documentário sobre essas viagens, Claude Além da Cozinha, de forma bastante autoral, com uma câmera GoPro, sem aparatos ou equipe. A estrada é um caminho sem volta. Ali, nos vilarejos, conheço de forma intensa os sabores, as pessoas e a cultura local. Essa troca é um vício e alimenta meu processo criativo.

&D: No Mesa do Lado, seu restaurante mais autoral e com 12 lugares somente, você une a alta gastronomia a uma experiência sensorial, recriando os ambientes das viagens em projeções imersivas. Que tipo de efeito você buscou?
CT: Entendi que o sabor não vem só do paladar. Ele passa pela emoção, pela história de cada um, pelo olhar, pelo som e pelo olfato. Eu, por exemplo, sinto o cheiro da panela com molho de tomate e me lembro imediatamente da cozinha da minha avó. Então convidei um amigo meu, o designer multimídia Batman Zavareze [veja entrevista na pág. 108], para pensar como trazer essas sensações para o Mesa do Lado. Depois de 40 minutos de conversa, ele me olhou e falou: “Cara, não entendi nada, mas amei a ideia!”. Aí o negócio começou a fluir. Demoramos quase um ano e meio desenvolvendo esse projeto para então conseguir abrir as portas. Mais do que um simples restaurante, o Mesa do Lado é uma vivência, uma experiência. O menu, com nove pratos, já mudou 40 vezes. Cada detalhe é extremamente cuidado, e acho que os clientes sentem essa dedicação.

&D: A experiência como apresentador de televisão é algo que aconteceu por acaso?
CT: Eu entrei para o [canal de TV por assinatura] GNT há quase 20 anos e lá fiquei. Em 1993, fui a Nova York para abrir um restaurante e tive a oportunidade de conhecer a programação da TV Food Network, sucesso total naquela época. Depois, no Olympe, bistrô gourmet que eu tinha no Jardim Botânico, reconheci, em uma das mesas, a Marluce Dias da Silva, que era diretora-geral e consultora da Rede Globo. Fui cumprimentá-la e, de leve, comentei que a televisão poderia ganhar cobrindo gastronomia, com programas formatados. Ela foi direta e perguntou: “Te interessa fazer?”. E eu disse: “Sim”. Recebi então um papel com o contato da Leticia Muhana [já falecida], na época diretora do GNT, e a indicação para procurá-la. Tivemos uma reunião, e logo comecei com um programa de 4 minutos. A partir daí não parei mais.

“Entendi que o sabor não vem só do paladar. Ele passa pela emoção, pela história de cada um, pelo olhar, pelo som e pelo olfato.”


&D:
Você se define, essencialmente, como um cozinheiro e não um chef ou empresário. Onde você coloca a mão na massa, pilotando as panelas?
CT: Há décadas tenho uma relação muito forte com Búzios, um vilarejo de pescadores próximo do Rio. Ali sou dono de uma casinha simples, na verdade, uma cozinha ampliada. É simples e confortável. Adoro acordar, ir ao mercado dos pescadores, onde conheço todo mundo, escolher o menu do dia e assumir as panelas. É um prazer enorme e relaxante.

&D: Explique essa sua paixão por jabá com jerimum.
CT: Esse prato bem brasileiro me foi apresentado há 40 anos pelo meu amigo, o paraibano Batista. Ele é que fez para mim. E isso muda tudo, não? Tenho uma memória afetiva desse sabor. O Batista virou amigo e parceiro. Veio trabalhar no meu restaurante com 17 anos e foi um dos grandes responsáveis por me apresentar os sabores nordestinos. A gente tem uma relação tão forte que hoje é difícil descrevê-la. Fico emocionado.

Outra profissional que reverencio é a Fafá, que trabalha na minha casa. Ela e o Batista não são cozinheiros de formação. Começaram por necessidade, mas têm
o dom do tempero. Tudo que fazem, de qualquer maneira, é bom demais. Percebi que era isso que buscava no Mesa do Lado, um menu que não se restringe a técnica e sabor. Há ali outra química. E Fafá e Batista têm isso de sobra.

Na página ao lado, o pequeno salão do Mesa do Lado, com a cenografia que acontece durante os jantares. Nesta página, duas das criações autorais do restaurante

Posts relacionados

Deixe um comentário