A cidade gelada, verde, dona de um sistema de transporte replicado em mais de 80 países e com fama de mal-humorada se revela silenciosamente a quem estiver disposto a caminhar por suas entranhas, desvendar sua arquitetura, ler seus autores e ver seus artistas. Curitiba é mais plural que se pensa. Traga o seu guarda-chuva e siga o roteiro.
POR LÚCIA GUROVITZ
Existem diferentes formas de contar a história de duas décadas de carreira de Rodrigo Calixto. Poderíamos explicar sua relação com a madeira, descrever peças de mobiliário ou ainda relatar como, paralelamente ao design, ele encontrou um caminho de expressão nas artes plásticas — hoje seu território de atuação favorito. Mas Rodrigo prefere o viés da troca de experiências, em particular, as que não deram muito certo. “Falar sobre as vezes em que me machuquei no maquinário e tive medo de retornar ao ateliê, ou das ocasiões em que perdi o sono até encontrar a solução para um pé de mesa, é o que posso compartilhar de mais rico a respeito do meu trabalho”, afirma. “É algo quase tribal.”
A vontade de abordar os percalços nasce da sensação de que, em geral, a trajetória dos profissionais da área é apresentada de forma linear e parece que basta seguir a fórmula do sucesso e tudo dará certo. “Um designer iniciante é motorista, carregador, vendedor e, de vez em quando, encontra tempo para criar. As narrativas ficam mais humanas se contemplam esse lado realista”, diz. Como vivenciou as lacunas entre teoria e prática, Rodrigo cultiva planos de, no futuro, abrir espaço em seu ateliê para a transmissão de conhecimento. “Quero colaborar com outros artistas e designers. Muitos deles não têm onde mostrar sua produção”, fala.
Nascido no Rio de Janeiro, Rodrigo é o filho mais novo de pais pernambucanos, ambos funcionários públicos. “Ninguém na família tinha uma profissão conectada ao design ou às artes, mas houve na minha infância uma proximidade com a jardinagem e o feito à mão”, conta. Durante a faculdade de Desenho Industrial, a oficina de marcenaria logo se transformou na melhor parte do curso. “Estávamos numa época de exaltação do plástico e de fascínio com o Salão do Móvel de Milão”, lembra. “Mas somos o povo da floresta. A madeira é nosso percurso natural. Brasileiro é quem extrai pau-brasil”, diz.
Desde o início de sua atividade como designer, Rodrigo optou por trabalhar com vigas de demolição, um material impregnado de memória e que não demanda novas extrações de árvores. Segundo ele, o que era visto como postura ‘hippie’ no início dos anos 2000 se mostrou, em retrospecto, uma escolha acertada. “O mundo hoje busca o equilíbrio com o meio ambiente, a produção consciente e a satisfação de tocar um objeto de madeira”. Atualmente, Rodrigo confecciona a cada ano uma edição limitada de peças do seu portfólio, como a escada Jacutinga, o balanço Bilanx e a gangorra Momento. No restante do tempo, a oficina realiza projetos especiais, em que o designer desenvolve mobiliário exclusivo para clientes, e atende a encomendas de presentes institucionais. As criações artísticas, por sua vez, entram numa agenda mais pessoal. “Meu coração respira arte. Invento linhas de pesquisa e vou testando”, diz. Na série A Mim Tu Voltarás no Fim da Lida, batizada com um trecho do poema O Cântico da Terra, de Cora Coralina, ele usa vigas infestadas de cupim como matrizes de monotipias. “Quando faço essas composições abstratas, existe a intenção de resgatar a figura do tronco. É como se eu devolvesse a árvore à natureza”, afirma.
O desejo de se dedicar mais às artes está relacionado a um capítulo muito delicado da vida de Rodrigo: em 2015, ele foi diagnosticado com leucemia e enfrentou um tratamento longo e doloroso. Após o transplante de medula óssea, passou dez meses no hospital. “Minha resiliência me salvou”, diz. Do sentimento de solidão experimentado à época, surgiu a série de pinturas Simbiose, que faz referência às bolsas de transfusão de sangue.
Hoje Rodrigo está curado e retomou sua rotina de atleta, pedalando diariamente. Depois de repensar diversos aspectos da vida, decidiu sair do antigo ateliê. “O telhado estava deteriorado e chovia nos equipamentos”, explica. Há cinco anos, alugou o atual endereço, no centro do Rio, e reformou o galpão aos poucos. No térreo, funciona a marcenaria; no segundo piso, ficam a administração, uma área de convívio e outra expositiva. Do terraço aberto, avista-se o relógio da Central do Brasil. O espaço foi inaugurado em 2019, numa data simbólica: 21 de setembro, Dia da Árvore. “Abrigo aqui os sonhos desses 20 anos e sigo em minha busca.”