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Iluminação e Saúde

A importância da iluminação para proporcionar bem- estar e contribuir com a recuperação de pacientes

POR LARA KAISER

O filósofo espanhol José Ortega y Gasset dizia que cada um de nós somos o que somos mais as nossas circunstâncias. Da mesma forma, os projetos arquitetônicos são a combinação de sua essência e de sua inserção na natureza. Cada linha é desenhada tendo em mente a maneira como a luz natural ou artificial irá incidir sobre ela, que sombra será projetada, que materiais ou padrões serão destacados.

Vidros e recortes no concreto, assim como espelhos d’água, realçam a atmosfera desejada. A luz e a sombra detalham e valorizam a arquitetura. Mais do que isso: definem os espaços e dão a eles significados. O mestre japonês Tadao Ando já respondeu mais de uma vez que o elemento mais consistente na sua trajetória é a luz. Não à toa, uma de suas obras-primas é a Igreja da Luz, de Osaka (1989), em que um vão em formato de cruz permite a entrada de luz em um local voltado à introspecção e reflexão.

As variações de luz geram sensações e induzem a mudanças de comportamento. Manipular sua incidência é alterar a percepção de cada ambiente. A arquitetura joga com a luz e a sombra para nos lembrar que a dualidade é algo natural: o sólido e o vazio, o claro e o escuro, o agressivo e o sereno, o estimulante e o relaxante. Um projeto nunca é só um projeto, mas também sua luz e sua sombra, circunstâncias que o definem e redefinem a cada momento.

Quando falamos em arquitetura e design dos espaços de saúde, a incidência da luz é um elemento estratégico não só para garantir a qualidade arquitetônica, mas também como forma de contribuir com a recuperação e o tratamento dos pacientes.

Cada vez mais percebemos a demanda do setor por ambientes tão confortáveis e acolhedores que se pareçam mais com hotéis do que com centros de cuidado, conscientes do impacto que esses elementos terão no bem-estar de pacientes, acompanhantes, equipes médicas e de enfermagem.

Há uma relação intrínseca entre a luz e o ciclo circadiano, popularmente conhecido como “relógio biológico”, que é o ritmo de funcionamento do nosso organismo e que se repete a cada 24 horas. Esse ritmo é regido principalmente pela oscilação dos hormônios que vão sendo liberados gradualmente. Mesmo quando não percebemos, processos como a digestão, o sono e a vigília estão ligados diretamente aos hormônios, que por sua vez são estimulados ou inibidos pela percepção da luz ambiente. Embora seja provado cientificamente a influência da luz natural na regulação desses ciclos, é importante destacar que, para além da origem da luz, é preciso verificar sua intensidade. Em outras palavras, a saúde do corpo humano demanda luzes mais intensas durante o dia e mais suaves e difusas à noite.

Uma pesquisa publicada pela National Library of Medicine (NLM) indica que a luminosidade pode até mesmo encurtar o período de internação dos pacientes. Ao longo de 15 anos, os médicos colheram dados de uma amostra expressiva de pessoas que foram alocadas em leitos próximos a janelas (38.788) em comparação às que ficaram em leitos perto da porta (46.233). Os resultados revelam que o tempo de permanência no hospital foi menor para dos pacientes que desfrutaram a proximidade da janela em comparação com os que ficaram ao lado da porta.

Segundo os pesquisadores, a incidência correta de luz na enfermaria não apenas leva a uma diminuição do sofrimento dos pacientes, mas também pode aumentar a satisfação deles. Importante lembrar que a luz de espectro total também ajuda a controlar profilaticamente infecções virais e estafilocócicas, além de melhorar  significativamente a capacidade de trabalho do organismo. Por outro lado, a luz inadequada exerce impacto direto sobre fadiga, insônia, dependência de álcool e doenças psiquiátricas.
Há poucos anos, eu pessoalmente pude comprovar esse efeito ao projetar a UTI e centro cirúrgico do Hospital Morumbi da Prevent Senior, onde a luz natural está presente em abundância. A consequência é o estado de ânimo mais relaxado por parte dos pacientes em pré-operatório e a melhoria significativa na capacidade de concentração e foco da equipe, que se sente mais estimulada ao trabalho nesse ambiente.

Na avaliação pós-ocupacional foi constatado que o efeito da luz natural reduziu a permanência dos pacientes, assim como verificado na pesquisa da NLM. E vemos que há ainda um grande potencial a ser explorado nesse segmento, na medida em que o fornecimento de serviços médicos gera uma infinidade de dados armazenados digitalmente e que, ao longo do tempo, podem gerar padrões capazes de indicar alternativas importantes para o aprimoramento de práticas e tratamentos.

Análises sistemáticas são uma maneira bastante proveitosa de expandir o conhecimento tradicional em nível individual para populações mais amplas. No caso da iluminação, essa abordagem coletiva reforça a necessidade de enfatizar a incidência adequada de luz, tanto natural quanto artificial, e os efeitos que ela é capaz de exercer sobre o bem-estar e a recuperação de pessoas de diferentes perfis.

Lara Kaiser é arquiteta,designer, Principal, Healthcare Design Leader e Operations Director da Perkins&Will São Paulo

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