Das páginas dos livros às paredes de imóveis, as ilustrações de Cordel ganharam nova dimensão (literalmente) por meio do talento do grafiteiro Speto.
POR ANGELA VILLARRUBIA
OS TRAÇOS TÃO SABOROSOS e característicos das ilustrações presentes na literatura de Cordel, que costumam ser feitas com técnica de xilogravura, saltaram para paredes e empenas, ainda no século passado, pelas mãos do artista plástico, ilustrador e grafiteiro Paulo Cesar Silva, mais conhecido como Speto. “Lembro que comentava, com meus parceiros de grafite, que precisávamos ter uma arte brasileira pra ser nossa”, assinala, ao relembrar que desembocou nesse estilo ao ser convidado, pelo produtor musical Carlos Eduardo Miranda, para desenvolver uma capa para o primeiro disco dos Raimundos. Paulo havia visto livros do gênero e acabou inspirado.
“Sempre retratei a cultura brasileira nos meus trabalhos”, assinala Speto, ao comentar o trabalho feito em um mural da cidade de São Paulo, em 2012
“A ideia de ter uma assinatura brasileira era a cara da nossa geração”, observa, ao referir-se a nomes como Otávio e Gustavo Pandolfo, OSGEMEOS, ou Binho Ribeiro (veja matérias na &Design Magazine 2 e 3, respectivamente), entre outros. “Não tinha ideia de como se fazia xilogravura e sequer o nome da técnica. Fiz do meu jeito e saiu. Gostei tanto do resultado que tentei fazer com sprays e se tornou meu estilo desde então. Passei a ir a museus e pesquisar cada vez mais a arte folclórica brasileira. Aos poucos, os artistas foram se interessando […] e juntos criamos um estilo original e nosso”, reflete o profissional, que hoje exibe trabalhos em mais de 20 países, como Estados Unidos, Alemanha, Rússia, Ucrânia, França, Espanha, Alemanha, Inglaterra, Qatar, Indonésia, Argentina…
Nascido em São Paulo em dezembro de 1971, cresceu na zona norte da capital “berço” de outros grafiteiros, como Fabio de Oliveira Parnaiba, o Cranio, ou Walter Nomura, o Tinho (leia a matéria na &Design Magazine 4), que mora na zona oeste há quase 20 anos. Ele é autodidata, embora tenha feito cursos no Museu de Arte Moderna (MAM) e aulas de xilogravura. Paulo descobriu essa expressão contemporânea, assim como outros jovens da mesma época, por meio do filme Beat Street, produção de 1984 que, no Brasil, foi renomeada como A Loucura do Ritmo, do diretor Stan Lathan. “Foi paixão à primeira vista”, confessa. Esse longa-metragem tornou-se uma referência dessa arte que, naquele momento, ainda era incipiente no País, que praticamente apenas conhecia os trabalhos do pioneiro Alex Vallauri. “Minha geração começou a grafitar por causa do filme”, assinala.
Na prática, ele fez sua primeira intervenção na escola. “Pulei o muro no fim de semana e pichei. Lógico que, na segunda-feira, fui parar na diretoria, pois sabiam que era meu desenho”, narra ele. O seu codinome também surgiu no ambiente estudantil. “Na minha época, apelidos eram uma forma de independência e originalidade. Ser único era tudo. Eu espetava o cabelo, com sabonete ou gel [fixador] e ia pra escola assim”, rememora.
Grafite no Museu Aberto de Arte Urbana (MAAU-SP), realizado em um dos pilares que sustentam o trecho elevado da Linha 1-Azul do Metrô, da capital paulista
Ele não sabe mensurar quantos grafites já fez até o momento, mas, com certeza, foram muitos. Afinal, em 2025, completa 40 anos de ofício. “Sempre trabalhei com desenho e já desanimei várias vezes. Já fiquei muito endividado e desmotivado, mas era a única coisa que sabia fazer na vida, e a vida acontece para o bem e para o mal. É uma dança. A gente vai aprendendo”, finaliza o profissional.