Scroll Top

Uma casa de portas abertas

Com vista livre para o Rio São Francisco, a casa de Dalton e Maria Amélia na Ilha do Ferro, sertão de Alagoas, reflete a hospitalidade do lugar.

Por Regina Galvão

No dia a dia, é um entra e sai de amigos de fora e do povoado que chegam sem cerimônia para desfrutar a boa prosa e os quitutes preparados pelo casal, colecionador e dono da Galeria Karandash, em Maceió, especializada em arte popular brasileira.

O casal Dalton Costa e Maria Amélia

Aqui é minha segunda casa, aqui eu preten- do morar definitivamente é o que diz Dalton Costa, sentado em uma das cadeiras assinadas da mesa de refeições do imóvel construído no povoado de Ilha do Ferro, no sertão alagoano. Ao todo, são oito cadeiras, uma de cada artista local. E não são só os móveis de madeira que levam assinatura. Em cada ambiente – sala, quartos, varanda, banheiros e corredor –, há um conjunto de obras reunido ao longo da vida. “Eu gosto de comprar arte popular, sempre comprei muito”, afirma Maria Amélia Vieira, galerista desde 1985, quando fundou a Karandash, com o marido. Ela compra para vender e compra para colecionar. Há peças de artistas que ela ainda nem foi buscar. “Tem gente que me vê aqui e diz: ‘Maria Amélia, não se esqueça do seu banco, precisa ir lá em casa pegar”, conta, bem-humorada. Ela, além de galerista, é ceramista renomada.

Nos anos 1990, quando começaram a frequentar a Ilha do Ferro, povoado de poucas ruas e habitantes de pulsante criatividade, o principal interesse do casal era descobrir talentos alagoanos para divulgar suas obras na galeria em Maceió. Com o passar do tempo e depois de muitas idas e vindas à localidade, os dois começaram a descobrir outras preciosidades não tão óbvias para olhares forasteiros. “Houve um momento em que meu interesse se voltou para os habitantes do povoado: o dono da mercearia, o velhinho de 82 anos que contava histórias, a dona Morena, que fazia bonecas…”, afirma Maria Amélia.

Nas primeiras viagens – são quatro horas de carro desde a capital, com trinta minutos de estrada de terra –, eles se hospedavam em Pão de Açúcar, município a qual pertence Ilha do Ferro. E foi só em 2016, com a paixão já consumada pelo lugar, que decidiram comprar o terreno onde, com a ajuda da filha arquiteta, Joana Vieira, construíram a Casa da Estrelinha, batizada assim por causa da estrela escultural que decora a fachada, uma obra de Dalton, que é também artista plástico.

No interior da construção, há uma profusão de formas e cores para todos os lados, com peças de Valmir Lessa, Petrônio, Dedé, Vieira, Vandinho, Salvinho, Ronalsso, Zé Crente, Aberaldo e tantos outros que eles ajudaram a divulgar o trabalho pelo Brasil. Mas é por Fernando Rodrigues (1928-2009) que a dupla demonstra ter o maior carinho. “A primeira vez que eu vi os banquinhos de madeira dele, eu me encantei. Não estavam à venda, mas insisti tanto com a Rejânia, filha dele, que ela acabou vendendo três deles no último dia da feira de artesanato, onde estávamos expondo”, lembra Maria Amélia.

A história de seu Fernando e da Ilha do Ferro se confunde. Foi ele que, com seu talento genuíno, transformou troncos e raízes de espécies da caatinga em bancos e cadeiras esculturais. Os inusitados formatos dos móveis chamaram a atenção do fotógrafo e documentarista alagoano Celso Brandão, que tinha ido ao povoado registrar o bordado “boa noite”, típico da região, e acabou descobrindo ali um artista. Comprou dois bancos e os levou para uma exposição em um museu na Paraíba.

A fama do mestre artesão foi se espalhando pelo País até chegar aos ouvidos de um renomado arquiteto de São Paulo. “Eu liguei para o Arthur Casas e disse a ele sobre a preciosidade desses bancos, que traziam versos nos assentos, escritos pelo próprio seu Fernando”, conta Maria Amélia. Pois Arthur reuniu tais peças e várias outras artesanais em seu ambiente de CasaCor São Paulo, em 2009. Essa foi uma excelente oportunidade para o público assimilar como esse tipo de mobiliário e de arte poderiam ser usados em uma decoração contemporânea.

“Não gosto dessa separação que muitos fazem: arte erudita, arte contemporânea, arte popular e artesanato. Trabalho muito com esse diálogo. Para mim, é tudo arte e gosto de misturar todas elas”, afirma Maria Amélia. Sem dúvida, a Casa da Estrelinha é uma prova disso e, com sua rara beleza, atrai pessoas que nem mesmo conhecem os moradores. “Muita gente acha que aqui é uma loja e vai entrando, vai ficando e alguns acabam virando amigos”, diverte-se Dalton em sua simpatia espontânea.

Posts relacionados

Deixe um comentário