POR RICARDO SOARES
NEM SÓ DE AVASSALADORES deslizamentos são feitas as montanhas e selvas da Papua-Nova Guiné. A natureza daquela região da Oceania esconde – pero no mucho – uma peculiar e caprichosa espécie de pássaro chamada pássaro-jardineiro ou caramancheiro, que tem o nome científico catalogado como Amblyornis inornata. Essa espécie e suas vinte variações também podem ser encontradas na Austrália.
Os machos dos caramancheiros constroem estruturas lindamente decoradas, conhecidas justamente como caramanchões. A finalidade principal dessas “construções” são atrair as fêmeas para essas áreas planas adornadas com conchas, nozes, frutas frescas, flores e até asas de borboletas. Já foram registradas também estruturas que chegam a usar tampas de garrafas, escovas de dentes, chaves de carros e até dentaduras. Isso foi visto quando os caramancheiros estão próximos de vilarejos humanos na Nova Guiné, e já foram observados também casos onde essas aves pintam os caramanchões usando frutas esmagadas, carvão e sabão em pó. Ou seja, na natureza selvagem dos caramancheiros tudo se cria, e também tudo se transforma.
Os registros mais antigos dessas aves jardineiras vêm do explorador italiano Odoardo Beccari que, em 1872, se tornou o primeiro europeu a escalar as montanhas Vogelkop de Nova Guiné para conhecer membros da tribo Arfak. Enquanto estava lá, ele observou uma série de casinhas lindamente decoradas na floresta que ele presumiu serem obra dos moradores. Qual o que… Tudo era obra dos pássaros jardineiros que na frente de cada casinha faziam um pequeno jardim decorado com musgo e mais de uma centena de objetos coloridos, incluindo frutas, flores frescas, cogumelos e esqueletos de besouros. Todos os machos dos caramancheiros fazem uma espécie de exibição visual, onde movem objetos coloridos rapidamente pelo campo visual da fêmea, e esses efeitos visuais diversos e interessantes servem para atrair e prender a atenção delas, o que prova que esses pássaros têm um apurado senso estético. Quanto mais o efeito estético visual for diversificado, mais os machos atraem as fêmeas. Isso não deixa margem de dúvidas que cada pássaro-jardineiro tem gosto próprio e preferências quando se trata de materiais e cores. Ou seja, cada jardineiro tem o seu estilo.
O ponto em comum é que cada material escolhido é colocado com bastante cuidado e precisão. Se algum objeto for movido, as aves o devolvem ao seu lugar original. Os pássaros mais jovens também parecem aprender a construir os caramanchões mais atraentes, seja por tentativa e erro, seja observando pássaros mais experientes. São tantas minúcias, detalhes e observações, que eles gastam muito tempo para suas obras, defendidas com valentia pelos machos rivais. A estética no caso deles não é apenas um capricho, mas um modo de perpetuar a vida e a preservação da espécie.
Ricardo Soares é escritor, jornalista, roteirista e diretor de TV. Publicou 10 livros e dirigiu 12 documentários