Com materiais surpreendentes, técnicas inovadoras e muita criatividade, os sapatos de luxo são peças de arte. ARQUITETURA DOS PÉS
A Cinderela é a prova que um par de sapatos pode mudar sua vida. Essa é uma das inúmeras frases divertidas sobre a apaixonante relação das mulheres com os calçados. Mas, quando falamos no seu poder de mudança, é claro que não estamos pensando naquela rasteirinha básica, mas em sandálias e sapatos esculturais.
Louboutin, com seus icônicos sapatos de solas vermelhas, marca registrada do francês, ou o espanhol Manolo Blahnik, com seus modelos que são joias decoradas com plumas, lantejoulas, laços, anéis e correntes, são dois dos mais relevantes designers de sapato da atualidade.
Também temos alguns arquitetos e designers de objetos que têm produzido sapatos exclusivos, com base na sua criatividade e no seu conhecimento técnico. Caso de Zaha Hadid que, depois de assinar uma coleção para a Melissa, lançou em 2013 uma edição limitada do sapato futurista nOVa em parceria com United Nude, marca do arquiteto Rem D. Koolhaas e de Galahad Clark, herdeiro de uma respeitada família de sapateiros ingleses.
Não foi o único calçado desenhado por Hadid, mas esse modelo chama a atenção por sua engenhosidade, já que ela desenvolveu um sistema de balanço inovador baseado em princípios estruturais complexos para permitir um salto de 16 centímetros, em que o calcanhar parece estar completamente sem suporte.
Um pouco antes, em 2009, o arquiteto e designer inglês Julian Hakes criou a Mojito, peça muito especial que imita o formato de uma casca de limão contorcida. Com seus conhecimentos, Hakes conseguiu fazer um calçado que, apesar de à primeira vista parecer impossível de ser usado – mas que pode ser usado! –, foi projetado para sustentar a parte da frente da planta do pé e parte onde o calcanhar se apoia: são os dois pontos principais de sustentação do salto alto.
OS PIONEIROS
Muito antes desses famosos designers produzirem peças de alto luxo, é preciso lembrar que o italiano Salvatore Ferragamo e os franceses André Perugia e Roger Vivier formaram uma espécie de tríade do mundo dos calçados. Desde o começo do século 20, quando o setor ainda estava começando a se desenvolver, eles conseguiram inovar e elevar os calçados à categoria de arte, seduzindo legiões de mulheres e mostrando que o espaço para criar entre as pontas dos dedos e os calcanhares é infinito.
O sapato futurista nOVa, criação de Zaha Hadid para uma coleção limitada de 2013
André Perugia, filho de sapateiro, nasceu em 1893, em Nice. Aos 16 anos, montou a própria sapataria e logo ficou famoso por seu espírito inovador, o que fez que investigasse estilos materiais e tecnologia. Até meados dos anos 30, não era comum que sapatos de noite deixassem os calcanhares à mostra, mas Perugia desafiou os costumes e, por volta de 1929, encantou com um modelo de sandália noturna artesanal luxuosíssima. Moderno até não poder mais, em 1937 fez o “Heel-less Shoe”, sapato semi salto em que, dessa vez, parece querer desafiar a gravidade.
Nas décadas de 1910 e 1920, o designer colaborou com o estilista Paul Poiret. Nos anos 1930, com Elsa Schiaparelli (quem não se lembra do chapéu sapato?). Nos anos 1950, desenhou para Charles Jourdan e Arthur I. Miller, para quem criou o sapato com saltos intercambiáveis por meio de um dispositivo deslizante que permitia a troca do salto normal por um de bolinhas ou padrão de arlequim. Além dos estilistas, Perugia conquistou as estrelas, como a diva Gloria Swanson e as artistas das Folies Bergère. Vale destacar que a sandália Turbante, de 1928, foi feita em homenagem à cantora e dançarina Josephine Baker, que costumava adornar a cabeça com o acessório.
Mojito, criação do designer inglês Julian Hakes
Salvatore Ferragamo criou seu primeiro par de sapatos aos 9 anos para uma das irmãs, Giuseppina, que iria fazer a primeiracomunhão. Ela não tinha o que calçar, porque a família não podia arcar com os custos de sapatos brancos, que na época era tradicional para essa ocasião. Nascido em Bonito, província de Avelino, desde criança Salvatore sonhava em ser sapateiro – contra a vontade do pai – e observava atentamente o trabalho da construção de calçados. Com lona branca, linha, pregos e ferramentas emprestados de um sapateiro local, produziu seu primeiro modelo. Dois anos depois, foi estudar a profissão em Nápoles e logo retornou à sua aldeia, onde montou uma sapataria.
Em 1915, o designer foi morar nos EUA com os outros irmãos. Começou a trabalhar na Plant Shoe Factory, em Boston, onde ficou por apenas duas semanas, e se mudou para Santa Barbara. Ali, seu irmão Alfonso, que trabalhava na engomadoria de figurinos para American Film Manufacturing Company, e o primo Jerry, com papel em uma série chamada The Diamond from Sky, o n apresentaram para a indústria cinematográfica. Ferragamo fez seus primeiros calçados para a estrela do seriado, Lottie Pickford, irmã de Mary Pickford.
Curiosamente, sua produção inicial foi de botas de caubói, sandálias romanas e mocassins. Mas o que chamou a atenção de estrelas, entre elas, Gloria Swanson, Marlene Dietrich, Mary Pickford e Greta Garbo, eram os modelos feitos sob medida criados a partir de materiais nada ortodoxos, como penas de colibri, casca de árvores. Apesar da reputação, Ferragamo, o “sapateiro das estrelas”, decidiu estudar anatomia na Universidade da Califórnia do Sul, porque não se conformava em produzir calçados bonitos: queria que fossem também confortáveis.
Em 1927 montou sua fábrica em Florença e passou a talhar formas com técnicos especializados. Curiosamente, sua produção inicial foi de botas de caubói,sandálias romanas e mocassins. Mas o que chamou a atenção de estrelas, entre elas, Gloria Swanson, Marlene Dietrich, Mary Pickford e Greta Garbo, eram os modelos feitos sob medida criados a partir de materiais nada ortodoxos, como penas de colibri, casca de árvores. Apesar da reputação, Ferragamo, o “sapateiro das estrelas”, decidiu estudar anatomia na Universidade da Califórnia do Sul, porque não se conformava em produzir calçados bonitos: queria que fossem também confortáveis. Em 1927 montou sua fábrica em Florença e passou a talhar formas com técnicos especializados.
E, no final dos anos 1930, o designer italiano, diante do desafio da guerra que provocou escassez de couro e borracha, passou a experimentar feltro, palha, cortiça e madeira para projetar seus sapatos. E foi assim que nasceu e foi patenteado, em 1937, seu primeiro salto cunha, : com pedaços de cortiça preenchendo o espaço entre o calcanhar e a planta do pé. Não demorou para se tornar sucesso por causa da sua leveza e durabilidade. O mais célebre modelo é a sandália Rainbow, de 1938, em homenagem à atriz Judy Garland, com a cunha colorida de 8,5 centímetros e tiras douradas com costuras em relevo. Em 1947, Ferragamo ganhou o “Prêmio Neiman Marcus” pela sua criação a “Sandália
Invisível”. A parte superior é feita de linha de pesca de náilon e o salto é o seu famoso “F”, produzido em madeira e com 7 centímetros, inspirado na popa de um transatlântico.
Sandália “Noturna”, de André Perugia, revela todo o talento do mestre nos mínimos detalhes da peça
Roger Vivier nasceu em Paris e estudou escultura na École des Beaux-Arts de Paris. Quando um amigo da família lhe acenoucom um emprego em uma fábrica de calçados, vislumbrou uma nova carreira. Em 1937, abriu seu ateliê, mas durante a II Guerra Mundial trabalhou como assistente de fotografia. Apenas em 1945 retomou a carreira de designer de sapatos. Sua formação explica muito a quantidade de saltos inovadores que criou. Entre eles, vírgula, rolo, bola, agulha (sim, ele criou o famoso salto quand trabalhava com Christian Dior, nos anos 1950), pirâmide… E o próprio Vivier descrevia seu trabalho como “esculturas com decoração extravagante e rica”. Em 1953, chamou a atenção do mundo por ter sido escolhido para produzir os sapatos da coroação da Rainha Elizabeth II. Feitos de pelica dourada, com incrustações de rubis, eles foram os primeiros a trazer sola dupla para proporcionar conforto às longas horas de exposição da alteza.
// Por Eliana Castro