POR MARIANNE WENZEL
À FRENTE DO ARCHITECTS OFFICE, GREG BOUSQUET SÓ SE PERMITE ESBOÇAR UM DESENHO DEPOIS DE LEVANTAR INFORMAÇÕES SOCIAIS, HISTÓRICAS, GEOGRÁFICAS E ETNOLÓGICAS PARA EMBASAR O PROJETO. ASSIM NASCEM CASAS, EDIFÍCIOS E MASTERPLANS INOVADORES E ENRAIZADOS NO TERRITÓRIO, QUE RESULTAM DE UMA BEM ESTUDADA INTERAÇÃO ENTRE O ORGÂNICO E O CONSTRUÍDO
Em uma conversa sobre arquitetura com Greg Bousquet, provavelmente o termo mais recorrente é pragmatismo. “Durante anos, a página em branco me apavorou. Para combater isso, investi em metodologia. Meu processo criativo, bastante pragmático, dá origem a uma forma na qual, mais adiante, injetamos poesia. Normalmente acontece o contrário: o processo começa com muita poesia e depois tenta se adaptar a uma realidade complexa. E ela é mais forte, sempre nos derruba”, reflete o francês radicado no Brasil há 25 anos.
Greg nunca se identificou com a figura mítica do arquiteto-gênio. “Tenho a convicção de que esse trabalho se faz em equipe e tirei um pouco de foco o lado artístico”, afirma. Só assim, segundo ele, é possível tocar 120 projetos ao mesmo tempo com um time de cerca de 90 pessoas – umas 70 em São Paulo e mais 20 em outros estados e países. Este é o ritmo atual do Architects Office, escritório que Greg fundou em 2020 após encerrar uma sociedade de duas décadas com a Triptyque. A seguir, ele fala sobre sua visão de mercado, sustentabilidade e conceitos que tem pesquisado para futuras propostas.
&DESIGN: Você se diz pragmático ao dialogar com o mercado imobiliário. Por que adota essa postura?
GREG BOUSQUET: Hoje, no Brasil, infelizmente o planejamento urbano não é conduzido na esfera pública. Para atuar e realmente conseguir influenciar as mudanças nas cidades, temos de saber lidar com o setor privado. O arquiteto pode ser urbanista na microescala, e, com isso, ajudar a mudar a qualidade do espaço público.
&D: Na prática, como faz isso?
GB: Ainda encontramos muita dificuldade para convencer o mercado a adotar soluções sustentáveis, como a madeira engenheirada. Precisamos ter a técnica na ponta da língua, demonstrar a viabilidade e entender com quem estamos dialogando, sem esquecer da malícia. Nossa metodologia envolve workshops quase semanais com os clientes para apontar os caminhos, em vez de aparecer com um estudo preliminar depois de meses. Vamos aclimatando o interlocutor com referências, até para comprovar o absurdo de algumas soluções que, muitas vezes, ele traz prontas para nós. E isso é interessante, porque é inclusivo. Na medida em que entende os argumentos, ele compra as ideias.
&D: Poderia dar um exemplo?GB: O prédio residencial AGE 360, recém-entregue em Curitiba, resulta de uma série de estudos e demonstrações. Chegamos a um exoesqueleto – algo difícil de emplacar, por ser caro e estar exposto. Por outro lado, essa solução libera a planta, então o produto se torna mais vendável porque facilita a individualização de cada unidade. Também favorece o sombreamento, pois funciona como suporte de jardineiras. Aprovamos esses elementos em grupos que organizamos com engenheiros, arquitetos, equipe comercial, corretores, potenciais compradores… Todos enxergaram as vantagens, apesar da complexidade de planejar um bom sistema de drenagem e gotejamento. Para compensar os custos, deixamos a estrutura em concreto aparente em vez de revesti-la de mármore. Ficou claro que o luxo, para o consumidor, não era a pedra nobre, mas, sim, o verde. Jardineiras e vegetação já aparecem como demanda final. E nós entendemos o elemento vegetal como ferramenta. Tanto que, em nossos projetos, temos assumido o paisagismo também. Nos países desenvolvidos – e o Brasil repete esse modelo – a população é 86% urbana. Nosso meio ambiente, portanto, está nas cidades, mas ele é mal construído. Nós, arquitetos, desempenhamos um papel nessa transformação. Precisamos ser didáticos, afinal, quem opera esse meio ambiente urbano não somos nós, são as incorporadoras e construtoras.
&D: Mas vocês também atuam em escalas maiores, como masterplans.
GB: Sim, isso acontece especialmente no Nordeste, onde surgem empreendimentos de turismo bastante preocupados com sustentabilidade, compensação de carbono, autonomia energética e utilização do solo protegendo as Áreas de Preservação Permanentes (APPs). Em Campo Alegre, interior de Santa Catarina, estamos desenvolvendo um desses empreendimentos, o Paraíso das Araucárias, na transição entre o campo e a cidade, com hotéis, vinícolas e loteamentos. Para isso, conduzimos estudos de possíveis usos, com o conceito de “hipermixidade” em mente. Falo de um multiuso maximizado, ou seja, com mais de dois usos, condizente com o pensamento da cidade de 15 minutos. Essa abordagem funciona também para grandes projetos, como o WTC BioTIC, em Brasília, localizado dentro de um masterplan de 180 mil m² assinado por Carlo Ratti [arquiteto italiano e professor do MIT Senseable City Laboratory, que pesquisa as transformações nas cidades], em uma região de expansão da cidade. Ali, adotamos a hipermixidade com hotéis, centro de convenções, lojas, residenciais. Usamos os princípios do modernismo para construir uma cobertura que unifica o programa e funciona como marquise, rampa e cobertura verde.
&D: Que outros temas você anda estudando?
GB: Eu me interesso pelo conceito de rewilding, traduzido como resselvagerização. É diferente de renaturalização. É mais radical, no sentido de deixar um terreno se recompor sem controlar tanto, com intervenções pontuais, como mobiliário urbano. O resultado pode ser um pouco diferente de padrões de beleza estabelecidos para as cidades, daí o apelo. Também estamos incorporando o weathering, ou seja, assumir o desgaste dos materiais provocado pela ação do vento, da chuva, do fluxo de pessoas. Esse tema aparece metaforicamente no residencial de luxo Monolyt, em Estaleiro, no litoral catarinense, cuja forma lembra a de um monólito quebrado em quatro blocos, e no projeto de um edifício de madeira engenheirada, em São Paulo, cuja estrutura ficará exposta e deixará visíveis os efeitos das intempéries.
&D: Você conta que veio ao Brasil há 25 anos para fazer uma última viagem antes de começar a trabalhar, mas então decidiu ficar. Por quê?
GB: Na França, a área máxima de experimentação para arquitetos recém-formados é a habitação social. Depois, fica muito difícil atuar: existe muita concorrência e as cidades já estão consolidadas. Aqui, logo entendi que havia um mercado interessante, apesar de todas as dificuldades. Hoje vejo uma transição dentro das incorporadoras, quando os herdeiros assumem o comando com grande inteligência de negócio e propósito, o que muda tudo. Há espaço para demonstrar o valor agregado dos nossos projetos.




















