Referência no País quando o assunto é vidraria artesanal, a designer Elvira Schuartz (@espacozero) conta desde como foram os seus primeiros contatos com
esse material misterioso, que se transforma em arte, até quais são algumas de suas coleções atuais, voltadas para segmentos diversos, como hotelaria, perfumaria e décor.
POR YARA GUERCHENZON
Uma pontinha de emoção sempre permeia a conversa quando a designer vidreira Elvira Schuartz começa a contar sobre suas primeiras inteirações com o mundo do vidro. “Durante uma viagem à Itália, com minha família, fomos até Murano conhecer os muitos ateliês que existem por lá. Num deles, enquanto meus pais decidiam quais peças iriam levar, eu, aos 9 anos, me concentrei em observar o trabalho de alguns artesãos na oficina, manuseando o vidro. Fiquei absorvida ali naquele momento, cuja imagem nunca mais esqueci”, conta.
Anos depois, ao buscar em São Paulo um fornecedor de vidro para restaurar uma luminária da sua casa, Elvira pôde resgatar aquela memória de infância, que havia ficado guardada entre tantas outras. Ainda no caminho para casa, com as peças de vidro no banco do carro, começou a sentir um encantamento com aquele material, com o brilho, a transparência e todas as possibilidades, criações e transformações que poderia oferecer. A partir daí, teve início a sua jornada em busca de aprendizado e experiência para ela mesma começar a criar suas peças.
A psicóloga, com curso de extensão em Administração de Empresas e executiva do setor de Recursos Humanos, percebeu que era hora de mudar de rota. Pouco tempo depois, já lançava sua primeira coleção, feita em casa e composta por 12 peças. Foi um sucesso que se propagou logo depois no mercado da decoração, especialmente por meio de participações em feiras de décor.
Após curtos períodos de imersão, acompanhando o trabalho de produção em uma oficina em Murano, “a meca do vidro”, foi aprendendo a mesclar diferentes técnicas da arte vidreira para criar um estilo único. Após encomendas sucessivas para o mercado de design e decoração, Elvira resolveu abrir seu ateliê, inicialmente chamado de Zero Design – numa referência à transparência do vidro: “Zero é quase nada, só forma e luz”.
Anos depois, surgiu a necessidade de trabalhar num espaço maior para dar conta de todas as atividades de seu ateliê. Assim, há quase 30 anos fundou o Espaço Zero, em novembro de 1994, reunindo oficina própria com equipe para produção de encomendas personalizadas, além de funcionar como galeria e escola. E, alguns anos atrás, seu ateliê ganhou nova sede, com amplo e moderno espaço para a exposição de suas peças, muitas delas premiadas internacionalmente, além da área da produção onde estão fornos, moldes e demais equipamentos, e também são ministradas aulas individuais.
Atualmente, Elvira representa o maior nome no Brasil quando se pensa no desenvolvimento de peças exclusivas feitas de vidro. Não à toa, sua oficina trabalha em ritmo acelerado, com fornos funcionando sem parar, para a entrega de encomendas que chegam a centenas de peças para um mesmo cliente. “Não se é vidreiro sem amor. É necessário mais do que boa vontade para se defrontar com temperaturas acima de 1.300oC. É preciso mais do que tolerância para conviver com sua fragilidade”, comenta Elvira em um dos lindos trechos de seu livro Através do Vidro – Objetos e Poemas, publicado em 2006.
Na foto de capa, Elvira manuseia o vidro em seu ateliê. Na imagem acima, peça da coleção Casca.
Durante a visita a seu ateliê, a equipe da &Design pôde acompanhar a produção e constatar que, de fato, é preciso amor e encantamento pelo vidro, material insólito, de origem milenar, que exige paciência, cuidado, atenção e perseverança. De um segundo para o outro, o que estava quase lá, quase pronto, pode ruir, ir ao chão. E, sob o calor escaldante, é preciso recomeçar, do zero. Mãos habilidosas e muita experiência dão conta do recado com prazer. E, instantes depois, a peça ressurge, linda, pronta para ir ao forno, hibernar por lá por muitas horas.
Nesse vai e vem, entre uma “calda de vidro”, um sopro feito com máxima precisão, a forma perfeita obtida num dos moldes e o descanso de horas no forno, o que se vê é a produção incessante para dar conta de encomendas e prazos de seus clientes. Caso do mais novo empreendimento dentro do complexo de luxo paulistano Cidade Matarazzo, onde acaba de inaugurar o Soho House São Paulo, clube privativo que contará com cerca de 800 luminárias assinadas por Elvira Schuartz. “Estamos fazendo todas as peças de vidro, desde arandelas até grandes luminárias”, revela.
Peça da coleção inspirada nas cascas das árvores.
Já no mundo do décor, suas mais recentes peças podem ser vistas nas vitrines da loja Itens (itenscollections.com), com a coleção de luminárias Casca, que Elvira produz a partir de restos de cascas de árvores que encontra tanto no seu jardim como na vizinhança. São utilizados para dar textura ao vidro, no formato de pendentes; ou mesmo de vasos, como estão expostos na galeria do Espaço Zero. E, pela excelência de seu trabalho, Elvira extrapolou há muito o mercado da arte e decoração, chegando até as mentes criativas das agências de publicidade. Exemplo disso é a campanha que participou recentemente para O Boticário, desenvolvida pela Almap BBDO, criando uma coleção de frascos de perfume para serem distribuídos a formadores de opinião. Denominada Projeto Extinto, retrata os danos causados à natureza ao redor do Planeta. Os frascos representam regiões que vêm enfrentando problemas pela agressão ao meio ambiente, como a Baía de Guanabara (RJ). A iniciativa é uma forma de alertar o público em geral sobre a importância da conservação ambiental e a gestão adequada de resíduos sólidos.
Frascos de perfume para O Boticário – Foto: Joca Lutz
Ao procurar os frascos criados para a campanha de O Boticário, ela circula por sua galeria, já mostrando suas peças premiadas e mais famosas. Momento em que expressa seu amor inabalável pelo vidro, que Elvira inclusive utiliza em detalhes, desde uma belíssima pulseira que a ilumina em seu pulso até pequenas peças incorporadas ao dia a dia do ateliê: o puxador de porta, o cabideiro, os pingentes que adornam suas árvores. Objetos que sempre, sem exceção, são únicos. Porque nunca podem ser exatamente iguais, pois são feitos um a um. Então, por mais que sejam semelhantes, cada qual traz sua identidade. E só por isso já se percebe a magia da arte vidreira.
No Espaço Zero, o vidro é a vida do local, entre brilho, transparência, cores e uma profusão de formas que traduzem à perfeição outra frase que se lê no livro de Elvira Schuartz: “Cada objeto que faço é um ato de história, e saber que poderá atravessar o tempo por centenas de gerações imprime em cada um deles um toque de sagrado. Frágil e ao mesmo tempo eterno: a mágica sina do vidro”.