Recipientes dão “cara” a produtos e ajudam a criar laços com os consumidores – Design de Embalagens como estratégia e marcas.
Existe uma garrafa cujo contorno é suficiente para que boa parte das pessoas identifique qual bebida ela carrega. Já sabe qual é? Sim, é Coca- Cola. A relação entre a forma do recipiente e seu conteúdo – um dos refrigerantes mais consumidos no mundo – não se deu por acaso. Foi fruto de uma estratégia da empresa para se diferenciar da concorrência, e isso já há 107 anos, em 1916. A silhueta dessa garrafa tem até um nome específico – contour – e é considerada a primeira embalagem patenteada no mundo.
Pelo visto, adotá-la foi uma iniciativa que deu muito certo. Mais de um século depois de sua criação, estamos aqui nos referindo a ela como símbolo de uma marca tão famosa, considerando ainda que a própria Coca-Cola passou a contar, ao longo de sua história, com vários outros tipos de receptáculo, como a latinha e a garrafa PET.
Esse é um case bastante representativo do poder da embalagem. Tradicionalmente no ramo alimentício, ela é usada para despertar o desejo de consumo e construir a identidade das marcas. “Entre os alimentos industrializados, o sucesso comercial dos produtos nos grandes centros varejistas é em grande parte mérito de projetos bem elaborados e com forte influência das embalagens nesse processo”, afirma o professor Edison Barone, mestre em Design pela FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e docente nos cursos de graduação e pós-graduação em Design do Centro Universitário Armando Álvares Penteado (FAAP).
Segundo Barone, a qualidade da embalagem é mesmo um fator de diferenciação na hora de competir nesse mercado. “E qualidade, aqui, é um conceito amplo. Diz respeito a uma linguagem visual adequada e condizente com os objetivos da marca, mas também à usabilidade e à percepção do consumidor sobre o compromisso que a empresa dispensa à sua clientela”, diz.
Mais recentemente, a concepção do que caracteriza uma marca ou empresa compromissada ganhou novos ingredientes. O professor
da FAAP ressalta que “tem aumentado significativamente o interesse dos consumidores em marcas que buscam respostas aos problemas ambientais, sobretudo em segmentos de alta rotatividade como o alimentício, em que o ciclo entre a produção e o consumo acontece em períodos muito breves, acentuando o problema dos resíduos e dos recursos necessários para atender a essa alta demanda”. Conquistam espaço, então, embalagens feitas de materiais sustentáveis, como as biodegradáveis, que ajudam a reduzir a poluição plástica no Planeta. Ou as que são produzidas justamente a partir do plástico retirado dos oceanos, ajudando a reciclar esse material – a Unilever adotou essa medida.
Claro que, nesse e em outros contextos de atratividade para o consumidor, a embalagem faz parte de um pacote de comunicação que envolve outras ferramentas e, obviamente, a natureza da constituição dos próprios produtos. Se o design de embalagens muito se associou historicamente à área de alimentos, seus recursos ganharam terreno na de eletrodomésticos e eletroeletrônicos com o advento de empresas que, focadas ao extremo em inovação, idealizaram novas maneiras de seduzir seus clientes a partir do invólucro.
Nesse sentido, a Apple sinalizou tendências. “Se não criou o conceito de experiência do unpacking, certamente é uma das marcas que mais investiram nessa ideia de que o consumidor, ainda antes de ter acesso ao produto, tem a experiência prazerosa de desembrulhá-lo na expectativa de que aconteça algo surpreendente”, define Barone.
“Desde que a Apple adotou esse conceito, o segmento de eletroeletrônicos passou a realizar um método de embalar seus produtos que mais se assemelha ao da indústria de joias e principalmente ao da de perfumes”, diz. “São embalagens dentro de outras embalagens, que vão se sucedendo e gerando a sensação nas pessoas de estarem para descobrir um tesouro.”
MENSAGENS SOCIAIS
O grande desafio para os designers, no caso, é conciliar esse processo de geração de expectativa pelas embalagens com a necessidade de equilibrar o uso de recursos para produzi-las, levando em conta ainda seu ciclo de vida e questões relacionadas ao seu descarte. No âmbito da constituição de resíduos, uma alternativa é a de dar novos usos às embalagens, e o design é crucial nessa estratégia. Uma iniciativa dessa natureza é o programa Eco-packaging, da Samsung, que transforma embalagens de TVs em pequenos móveis, casinhas para pets e objetos de decoração. Essa destinação responsável das embalagens é uma maneira de a marca comunicar para a sociedade que está agindo no combate às mudanças climáticas e de olho na causa ambiental. É um claro posicionamento de marca por meio de uma estratégia de design de embalagem.
E há casos em que essa estratégia é utilizada para reposicionar uma marca. O designer gráfico Luiz Carmelo, pós-graduado em Ciências do Consumo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e com mais de 15 anos de experiência em trabalhos para empresas de bens de consumo, conta que tem conduzido projetos de reposicionamento, como o do refresco Skinka, da Brasil Kirin, repaginado em 2014 para “resolver alguns problemas da embalagem anterior”. “Havia a necessidade de ganhar presença de marca”, diz Carmelo. A imagem da fruta no rótulo foi uma das mudanças, para auxiliar no reconhecimento rápido do sabor e na própria percepção do gosto da bebida. “A visibilidade dela está associada à quantidade de sabor que existe no produto”, explica. O corpo da garrafa, por sua vez, ganhou novo formato pela lógica da ergonomia, para “deixar mais confortável a pegada”.
Se o conforto e a usabilidade são também aspectos que pautam esse tipo de design, de modo geral, na conjunção de fatores envolvidos em seu projeto, a embalagem “materializa, de forma visual, a estratégia de marketing de uma empresa, uma marca ou um produto”, frisa Carmelo. E retoma o case da Coca-Cola para destacar quanto a empresa, ao longo de sua história, trabalhou para reforçar o poder imagético da icônica garrafa em diversos contextos. “Na evolução do mercado e da própria marca, nas novas ambições a partir de sua globalização e seu crescimento, a sua embalagem, de formato tão proprietário, foi adotada como verdadeira ferramenta de design e de marketing.”
A qualidade da embalagem é um fator de diferenciação na hora de competir
HÁBITOS DO CONSUMIDOR
As embalagens também refletem hábitos de consumo. Permanecendo no universo dos refrigerantes, os diferentes formatos de embalagens para esse tipo de bebida, atualmente, se adequam à variedade de momentos em que ela é consumida. “Antigamente, um refrigerante aparecia mais na mesa do brasileiro no almoço familiar de domingo”, diz Carmelo.
Para essas ocasiões, a garrafa de dois litros se configurava como um recipiente bem apropria- do. Contudo, pessoas que moram sozinhas não estavam sendo bem atendidas por uma embalagem desse porte, visto que a demora no consumo do volume maior de bebida ocasiona a perda do gás e a descaracterização do produto. “Considere, ainda, um consumo mais imediato de quem está na rua, esperando pelo ônibus ou pelo metrô”, pontua o designer.
Para diferentes situações, foram criadas, então, embalagens diversas de refrigerante, desde as de 100 ml até as de 3 litros. E há também o fator econômico associado a essa diversificação: a quantidade menor muitas vezes cabe melhor no orçamento do consumidor. “As empresas estão muito mais atentas a todos esses vieses”, frisa.
E sem perder de vista aquela função crucial de despertar um desejo. “Muitas vezes as pessoas em um supermercado acabam fazendo suas escolhas em questões de segundos, e nessa hora a embalagem literalmente precisa causar a boa primeira impressão em meio a uma quantidade absurda de estímulos visuais”, afirma Carmelo.
Isso porque as embalagens falam com as nossas emoções. Quando o artista plástico norte-americano Andy Warhol pintou 32 telas reproduzindo as latas de sopa Campbell em 1962, ele não apenas suscitava uma discussão sobre os espaços ocupados pela arte e pelos produtos de massa.
O artista retratava, ali, uma faceta dos próprios hábitos de consumo: Warhol revelou que, durante 20 anos, seus almoços diários basicamente consistiam daquela sopa. E aqui vale lembrar que a garrafa de Coca-Cola também foi tema de algumas de suas pinturas.
Por Edson Valente