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Picasso do Sertão

O xilogravurista J. Borges, que já foi comparado ao artista andaluz, mantém sua arte viva por meio de oficinas para novas gerações

POR ZIZI CARDERARI

Foi a partir das histórias contadas na hora de dormir pelo pai, o agricultor Joaquim Francisco Borges, que José Francisco Borges, o mestre J. Borges, enveredou pelo mundo da sonora e ritmada poesia de cordel. Nascido no Sítio Piroca, zona rural de Bezerros, município do Agreste Central, no dia 20 de dezembro de 1935, ele seguiu a mesma sina dos meninos vindos de famílias pobres, trocando as brincadeiras da infância pelo trabalho.

Aos oito anos já estava na lavoura e, aos dez, vendia na feira da cidade colheres de pau que ele mesmo produzia. Só frequentou a escola por dez meses, aos 12 anos, e na adolescência, agarrou todas as chances dadas pela vida: foi passador de jogo de bicho, pedreiro, carpinteiro, pintor de parede, oleiro, trabalhador da palha da cana-de-açúcar e vendedor. Encontrou seu caminho aos 21 anos e, por meio dele, se tornou artista consagrado, com obra premiada, e admirado em todo o mundo.

A secular literatura de cordel – que revela histórias reais e fantásticas em textos poéticos, impressos em folhetos – foi o contraponto na vida do pequeno José Francisco e de seus irmãos, nos anos 1940. “O cordel nasceu em mim quando criança. Eu me divertia muito ouvindo o meu pai lendo os folhetos que ele trazia da feira. A imaginação da gente corria solta”, recorda. Com a grande seca de 1952, que trouxe graves repercussões sociais e econômicas para o Nordeste, J. Borges, então com 17 anos, migrou com a família para a Zona da Mata, vivendo durante 15 anos entre os municípios de Escada e Ribeirão. Foi nessa época, mais precisamente em 1956, que ele, depois de passar por muitas ocupações profissionais, decidiu ser vendedor de cordéis (folheteiro), divulgando a literatura popular pelas feiras e praças públicas do interior de Pernambuco e dos estados vizinhos.

Em 1964, estimulado pelo poeta e amigo Olegário Fernandes, escreveu o primeiro folheto, O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina, com capa ilustrada pelo mestre cordelista e xilogravurista Dila (José Soares da Silva), patrimônio vivo da cultura pernambucana.

O folheto, que narra a disputa dos vaqueiros pelo prêmio (a filha do coronel), teve cinco mil exemplares vendidos em apenas dois meses. O desempenho estimulou o artista a produzir, no ano seguinte, o segundo cordel, O Verdadeiro Aviso de Frei Damião sobre os Castigos Que Vêm, no qual estreou como xilogravurista. Com pouco dinheiro disponível, J. Borges criou o desenho da capa, que trazia a fachada da Igreja Matriz de Bezerros, numa tentativa de reproduzir a Igreja de Juazeiro (CE), onde Frei Damião pregava.

Sua xilogravura ganhou projeção a partir dos anos 1970, quando os artistas plásticos José Maria de Souza (1935-1985) e Ivan Marquetti (1941-2004), em visita a Bezerros – para onde voltou em 1967 –, encomendaram as primeiras gravuras em grande formato, tendo como temática o folclore nordestino. Por intermédio deles, o trabalho elaborado com maestria no interior do Estado foi apresentado a Ariano Suassuna (1927- 2014). “Soube que, assim que ele viu as gravuras, perguntou quem era a fera que fazia aquilo. Logo depois, fui chamado à Universidade Federal de Pernambuco para conhecê-lo e dar entrevistas a meio mundo de jornalistas que ele tinha convocado. Depois dali eu não parei mais”, relembra J. Borges, detalhando o começo da longa amizade que manteve com o escritor, que o considerava “o maior gravador popular do Brasil”.

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