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ENTRE ESCALAS

De coleção de cubas a parques municipais, Rodrigo Ohtake trabalha para combinar funcionalidade e arranque estético em seus projetos, que podem encontrar uma fagulha tanto nas conhecidas curvas arquitetônicas ohtakianas quanto no processo criativo de artistas.

POR JULYANA OLIVEIRA

Filho de Ruy Ohtake e Silvia Vaz, aos 5 anos Rodrigo Ohtake já sabia que seguiria a profissão dos pais. Aos domingos, na casa da avó, a artista plástica Tomie Ohtake, a arquitetura pautava as conversas da família em torno da mesa de jantar de concreto. Ser arquiteto foi um caminho natural, livre de pressões.

Casado com a curadora de arte Ana Carolina Ralston, nesta entrevista Rodrigo reflete sobre como a arte inspira suas criações – que podem ter centímetros ou quilômetros de extensão –, além de falar a respeito de tecnologia, sustentabilidade e, é claro, design.

A Meia Mesa da coleção Volumes para a Japi. 

&Design:: Como você descobriu tão cedo que seria arquiteto?

Rodrigo Ohtake:: Eu sempre convivi com a arquitetura. Na minha primeira infância, com uns 5 anos, eu adorava ficar desenhando a fachada de casas que eu tinha na memória. Guardo desenhos, que fiz bem pequeno ainda, de edifícios com várias famílias em diferentes atividades, um andar acima do outro. Esse sempre foi o meu mundo. Claro que ter pai e mãe arquitetos foi fundamental nesse processo. Além dos almoços na casa da minha avó Tomie [Ohtake], artista plástica, que aconteciam todos os domingos – , era inevitável falar sobre arquitetura nesses encontros. Seja porque meu pai dedicou a vida a ela, seja por conta das exposições que aconteciam no Instituto Tomie Ohtake, seja por causa de convidados à mesa, que eram arquitetos. Eu brinco que o meu mingau era feito de concreto!

O pessoal às vezes acha que houve uma pressão do meu pai, mas não, nunca. Tanto que minha irmã não é arquiteta. Meu pai ficou muito feliz quando eu escolhi [a arquitetura], mas me deixou sempre à vontade para fazer essa escolha. Foi muito natural para mim.

&D:: Como a aptidão para a arquitetura o levou para o design?

RO:: Eu não acredito que haja distinção entre arquitetura e design. Tudo é parte de um processo criativo e de construção da coisa. De como fazer certa materialidade se comportar de modo que seja usada pelo ser humano para certos objetivos.

O Mies van der Rohe, que fez inúmeros prédios, um ícone da arquitetura moderna, dizia que era mais difícil fazer uma cadeira do que um edifício. E muitas vezes ele tem razão. Desde o meu primeiro projeto, eu desenho peças. Porque, como geralmente a gente começa com reformas de apartamento – em que a gente não consegue mudar tanto as especialidades –, eu já criava alguns móveis, também para imprimir mais a minha assinatura ali dentro. E aí eu volto aos almoços na casa da minha avó, casa que é projeto do meu pai, de 1970, e que tem vários móveis desenhados por ele. Móveis fixos também. Para mim, é muito comum a mesa de jantar ser de concreto ou até mesmo a cama. Eu incorporei isso desde os meus primeiros projetos de arquitetura.

A poltrona Vitis foi a primeira peça criada para a MADE SP 2015.

&D:: Hoje você tem uma variedade de peças assinadas não idealizadas especificamente para a sua arquitetura. Como aconteceu essa mudança?

RO:: Foi em 2015. Eu estava batendo papo com um grande amigo, Bruno Simões, que, além de excelente designer, é curador e um dos criadores da feira MADE [Mercado, Arte e Design]. E ele falou: “Eu já vi algumas peças suas de design feitas para a sua arquitetura. Quer  participar da MADE?”. E eu respondi: “Vambora!”. Fiz uma poltrona chamada Vitis, bem desconstruída. Foi minha primeira peça sem ter a minha arquitetura como pano de fundo. Foi muito desafiador. Às vezes, quando você tem um papel em branco, é mais difícil projetar do que quando há desafios predeterminados.

&D:: Na ausência de uma arquitetura de pano de fundo, qual é o pontapé inicial para a sua criação?

RO:: Eu busco o processo criativo existente no ser humano. Isso é uma coisa linda e que nunca nenhuma inteligência artificial vai superar, na minha opinião. Eu observo os processos das pessoas criativas que eu admiro. Pode ser artista plástico, arquiteto, designer, fotógrafo, cineasta… um bartender que cria um drinque na hora, em função do dia, das sensações, das pessoas. Eu vou pesquisando em diversos meios, e esse processo criativo me interessa – não necessariamente o produto final.

&D:: Você mencionou a inteligência artificial, que é a bola da vez. Qual é o papel da tecnologia no processo criativo e como vocês a utilizam no escritório?

RO:: Aqui, a gente usa puramente como ferramenta. Ela está a nosso serviço. Eu particularmente não sou muito ligado à tecnologia: parei no AutoCAD. Não sei fazer as coisas de 3D direito, muito menos no BIM. Então, fui encontrando minha maneira de representar o que estou criando na minha cabeça. Às vezes, é desenhando, às vezes modelando em massinha, ou amassando no papel, ou no papel-alumínio, ou no arame, que também gosto de usar. A tecnologia ajuda na representação e acelera o processo – hoje em dia, a gente consegue fazer projetos mais rapidamente, com menos  pessoas. A gente cria para depois, com essa ferramenta, poder representar a nossa criação. No [nosso] escritório, a tecnologia não é um artifício de criação. Eu ainda sou um pouco tradicional nesse aspecto, mas não sou contra o advento da tecnologia nos escritórios de arquitetura.Acho que é saudável, acelera o processo e o torna muito sustentável. O que eu sou contra é entrar em um aplicativo ou em um site, dar três ou quatro palavras e sair o projeto. Isso eu não acho legal, porque, como eu disse, a criatividade humana é  imbatível.

&D:: Como a arte pauta suas decisões ao projetar?

RO:: Puxa vida, eu nem sei medir quanto ela me inspira. Eu acho que me inspiro mais em artistas plásticos do que em arquitetos.

Eu sou casado com uma curadora de arte, então a gente vai bastante a exposições, e isso realmente vira muito para mim,  porque, de novo, o processo me atrai mais. Eu vejo a arquitetura nessas formas. E, como a minha arquitetura é bastante baseada em formas, essas formas me inspiram demais.

&D:: Seus projetos podem ter centímetros ou quilômetros. O que você acha de trabalhar com escalas tão diferentes?

RO:: Neste ano, vamos inaugurar um parque municipal na cidade de Porto Feliz, em São Paulo, e lançar uma coleção de móveis de rotomoldagem, uma nova linha de cubas e casas modulares, além dos projetos residenciais e comerciais. A gente mantém a filosofia de não haver escala predeterminada de projeto no escritório. Ou seja, a gente gosta de fazer desde uma cuba, na escala de centímetros, até projetos urbanísticos, que medem quilômetros. A equipe inteira participa de todo o processo, que vai do micro até o macro.

&D:: Como o cuidado com meio ambiente orienta seus projetos?

RO:: A sustentabilidade virou uma questão obrigatória – infelizmente. E eu digo infelizmente porque chegamos ao ponto que, se ela não for aplicada ao projeto, este nem deveria sair da tela do computador. É algo que a gente tenta colocar em prática continuamente. Nem sempre é fácil, porque tem o custo e, às vezes, há menos opções de materiais. Mas veja o móvel de rotomoldagem: ele é de plástico durável, então ele não é o problema. O problema é o plástico descartável. Se você tem um móvel que é feito de plástico – que vem do petróleo, é verdade –, mas você tem a certeza de que ele vai ficar 50, 60 anos sem mudar de cor, ele se torna sustentável, né? Somado a isso, a gente também se preocupa muito com a sustentabilidade social, uma herança do Ruy [Ohtake]. No escritório, sempre tem algum projeto pro bono, para a comunidade. A gente entregou no final do ano passado três escolas para a comunidade de Heliópolis, em São Paulo. Projeto completo para que a Prefeitura execute. Então, as duas coisas, sustentabilidade ambiental e social, têm de correr paralelamente. Não sei dizer qual é mais urgente. Acredito que as duas são urgentíssimas.

Imagem de capa: Rodrigo Ohtake na casa de sua avó Tomie Ohtake.

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