POR CARINE SAVIETTO
SEMPRE GUIADA PELO DESEJO DE IR ALÉM, CAROL GAY COMPLETA 25 ANOS DE CRIATIVIDADE E EXPERIMENTAÇÕES
Um dos nomes mais conhecidos e incensados do design autoral brasileiro, Carol Gay é especialista em ressignificar a aparente banalidade do cotidiano. De mente aberta e “olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo”, como diz uma de suas crônicas de cabeceira, do jornalista Otto Lara Resende, Carol tem o dom de transformar em inspiração tudo o que a inquieta ou desperta sua memória afetiva. É capaz de enxergar poesia em tampas de bueiro, fazer crochê com cordas náuticas ou converter objetos tão invisíveis quanto cintos de segurança em matéria-prima para suas criações, que incluem mobiliário, luminárias e uma instigante coleção de arte em vidro.
Já faz algum tempo que essa ilustre pupila paulistana dos irmãos Campana não figura mais em dez entre dez listas de jovens promessas do design nacional, como acontecia no início da década passada – afinal, as previsões a seu respeito acertaram em cheio.
Na entrevista a seguir, Carol Gay, eleita a designer do ano na primeira edição do Robb Reports Awards Brasil, em 2023, rememora o começo de sua trajetória e celebra o espaço alcançado nesse um quarto de século de muito trabalho e insistência.
&DESIGN: Em 2025, você comemora 25 anos de carreira. Qual é o fio condutor dessa trajetória?
CAROL GAY: Eu brinco que estou sempre querendo subverter a forma e a função das coisas. Desenvolvi esse pensamento já adulta, quando me descobri designer, mas hoje percebo que tenho essa irreverência desde pequena. Certa vez, quando era criança, me perguntei: “E se eu virar a bicicleta e pedalar para o lado contrário?”. É claro que acabei me machucando, mas eu tentei e continuo fazendo isso até hoje. Não gosto de “não e pronto” – prefiro “por que não?”.
&D: Como o design foi parar em seu primeiro plano?
CG: Me graduei pela FAU-Mackenzie em 2000 e, até o último ano da faculdade, eu acreditava que atuaria como arquiteta. Ao mesmo tempo, vivia atrás do que ampliasse meu repertório e me oferecesse mais liberdade criativa. Prestes a me formar, me inscrevi em um workshop com os irmãos Campana no MuBE [Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia] e foi aí que tudo aconteceu. Essa experiência foi um marco, um divisor de águas a partir do qual diversos fatores me levaram ao caminho do design.
&D: Conte mais sobre sua iniciação com os irmãos Campana.
CG: Meu encontro com o Humberto e o Fernando foi a gênese do meu processo criativo atual. O curso se chamou “A Construção do Objeto” e, em princípio, a meta não era chegar a um resultado, mas sim vivenciar o desenvolvimento desse resultado. Era o tipo de liberdade que eu buscava. Testar materiais, descobrir como eles funcionavam… Aulas com muita música, oficinas, passeios por São Paulo… Uma explosão de descobertas! Cerca de um ano e meio depois, eles propuseram que finalizássemos nossos projetos para encerrar o workshop com uma grande exposição no MuBE, o que foi incrível. Também por incentivo deles, ainda em 2000, participei da minha primeira exposição internacional, a feira Abitare il Tempo, em Verona, na Itália: enviei fotos da luminária Caracol, que eu havia criado no curso, e tive meu trabalho selecionado pelos curadores, que eram nomes de peso, como Giulio Cappellini, Paola Antonelli e Vanni Pasca. Imagina, eu só tinha 20 e poucos anos!
&D: O que veio em seguida?
CG: Umas dez pessoas que haviam feito o curso se juntaram no grupo NoTech Design. Fizemos mil coisas, entre capa de revista, cenografia e workshops. Depois, trabalhei como designer na Tok&Stok e, mais para frente, na importadora Urban. Quando olho para trás, entendo que cada uma dessas experiências foi uma peça fundamental nesse puzzle que fui costurando ao longo da minha trajetória. A aproximação com a indústria e com o lado mais comercial do design me ensinou muito, mas chegou um momento em que passei a ficar triste por não poder trabalhar mais criativamente. Um dia, lá em 2009, eu falei: “Chega, agora eu vou fazer o meu!”. Eu já sabia que era boa executiva, mas queria voltar para as artes. Assim, comecei a trilhar meus primeiros passos no design de mobiliário autoral, partindo de peças como a poltrona NoAr, de borracha de pneu reciclada, e a mesa Cobre, feita de tubulações hidráulicas.
&D: Como acontecem suas colaborações atuais com marcas de mobiliário e revestimento?
CG: Depende de cada empresa. No mobiliário, em geral recebemos um briefing inicial que vai sendo elaborado, mas acaba sendo bastante livre. Eu vejo como uma troca rica entre criação e desenvolvimento. Já na minha experiência com revestimentos, tive liberdade total. Desde o material, nomes, cores, conceitos, tudo. Foi bem desafiador, mas também muito gratificante. E sempre recebo bastante suporte técnico durante o andamento das minhas ideias. Assim como em qualquer situação, eu gosto de trabalhar de perto com a fábrica.
&D: Quais são seus materiais de preferência atualmente?
CG: Procuro usar materiais de longa duração, amigáveis ao meio ambiente e, sempre que possível, detentores de selos de sustentabilidade. Vidro, cerâmica, porcelanato, mármore, latão, cobre, inox… Todos esses são nobres, com resistência e acabamento sofisticado. Uma paixão recente é o alumínio fundido, que tive a ideia de combinar com o vidro, já que ambos são moldados em estado líquido. Tenho achado esse encontro fascinante: no início, são duas matérias muito parecidas, quentes e fluidas, porém adquirem características absolutamente únicas e surpreendentes no final.
&D: Em que medida a experimentação norteia seu trabalho?
CG: Em grande medida. Estou sempre explorando a ideia de trabalhar sem fronteiras, literalmente desafiando os limites. Quando começo um projeto, não sou muito de querer pesquisar tudo o que já foi feito naquele material ou com aquela técnica. Não me importo com isso. O que me interessa é até onde eu posso chegar, encontrar a essência daquela matéria, descobrir novos caminhos, questionar bastante para poder entender, e aí trabalhar junto com a fábrica mesmo. A verdade é que eu gosto muito de estar na fábrica, conhecer todos os processos.
&D: No começo de nossa conversa, falamos sobre o que permaneceu igual em todos esses anos. Agora, para fechar: o que se transformou ao longo do tempo?
CG: O que mudou é que hoje posso olhar para trás e ver o que conquistei até aqui – mais especificamente, o espaço que conquistei – sendo mulher e representando as mulheres em uma profissão em que os homens costumam ser maioria. Tudo aconteceu de forma natural, essa conquista diária: eu apenas fui fazendo, entrando nas fábricas, aprendendo a trabalhar com os artesãos. Nunca me senti pressionada, nem tive nenhum problema por ser mulher, e com certeza essa é uma das melhores partes da minha história.



















