DE CARPINTEIRO A ARTISTA-EMPRESÁRIO

Cainã Gartner é a quarta geração de uma linhagem devotada ao ofício com a madeira. Mas hoje ele é bem mais que isso: associado a peças icônicas, seu nome se tornou marca cobiçada por colecionadores de arte

POR CRISTIANE TEIXEIRA

VIRAR EMPRESÁRIO não estava nos planos do catarinense Cainã Gartner. Nascido em 1990 em Gaspar, no Vale do Itajaí, ele se criou dentro de uma marcenaria. Formou-se no trabalho com o pai e o avô, produzindo peças em série para a Imaginarium e a Tok&Stok. Mas o que desejava mesmo era ser artista – e conseguiu. Para isso, precisou desenvolver seu lado empreendedor, mergulhar no mercado de luxo e entender que é nesse universo que gosta de atuar. Suas criações, exclusivas ou em séries limitadas, são inconfundíveis, talhadas em madeiras nobres e com detalhes em ouro. Admirador de Ayrton Senna, Cainã desenvolveu alguns capacetes, o boné e a botina “Punta Taco” que levam gravado o nome do piloto. Também saíram de suas mãos uma raquete em homenagem ao tenista Roger Federer e outras esculturas que celebram lendas dos esportes e símbolos de requinte.

Em seu ateliê em Balneário Camboriú, o artista concedeu uma entrevista por vídeo a &DESIGN, conversa que precisou ser dividida em duas sessões – culpa da rotina intensa de quem trabalha de 14 a 15 horas por dia e está se preparando para abrir um ateliê em Miami.

&DESIGN: Sua agenda tem um compromisso depois do outro. Você é o carpinteiro de luxo que virou artista e agora está virando empresário?
CAINÃ GARTNER: Acho que é bem isso. Eu tentei fugir um pouco do empreendedorismo, enquanto me descobria. Eu venho de uma família de carpinteiros que sempre teve participação grande dentro de marcas como a Imaginarium e a Tok&Stok. Eu não gostava muito desse lado empresa, de equipe grande, ficava no meu canto fazendo uma peça de cada vez e ia nela até entregar para o cliente. Mas a empresa do meu pai acabou fechando, e eu precisava de dinheiro. Então fui para outros segmentos e só depois comecei a voltar para a arte. E aí eu enxerguei dois caminhos. Um seria o do artista botando as loucuras no papel, vivendo de conceito. No outro, eu colocava um pouco de [tino] comercial
e empreendedorismo no meu negócio, tentando achar um equilíbrio, e tratava meu nome como marca, tendo em vista o mercado de investimentos. O segmento de luxo requer certo comportamento.  Eu gostei de entender isso e acabei me apaixonando por esse mercado. Então eu quis aprimorar cada vez mais o meu trabalho e buscar colaborações na mesma direção.

&D: Foi assim que você e a marca Senna se cruzaram?
CG: Sim. Em 2017, 2018, aconteceu nossa primeira parceria, e eu descobri um universo que eu não imaginava, o lado da filantropia. Quando eu comecei isso, entrou um propósito na minha vida – até então, eu queria poder comprar carro, casa, crescer, viajar. Mas aí eu percebi que para cada peça que eu vendia havia uma criança esperando. Foi a primeira vez que eu senti aquele gole do propósito e do sucesso. Eu entendi que no sucesso não existe uma linha de chegada, mas, sim, ir curtindo os momentos. Num dia em que eu não tenho vontade de fazer o meu trabalho, eu tenho um porquê. Aí comecei a fazer parceria com a Polícia Militar Ambiental para comprar cargas ilegais de madeira que são apreendidas: eles doam [o valor] para uma casa de apoio a crianças com neoplasia e [assim] eu ajudo.

&D: Ao avaliar possíveis trabalhos, qual é a sua prioridade?
CG: Eu dou prioridade para o que se encaixa no meu propósito. Não quero fazer nada sem um motivo. Estou lançando outros projetos Senna agora, assinando os 30 anos do legado do Ayrton. Também tenho planos em andamento com outras celebridades, projetos pontuais, mas com a possibilidade de tiragens em série voltadas ao mercado americano.

&D: Quem são os seus clientes?
CG: Colecionadores e investidores, principalmente, até por uma questão da valorização das peças. Eu trabalho muito em cima do meu nome e isso repercute no mercado, atraindo investidores, colecionadores e pessoas que queiram encomendar uma peça exclusiva que simbolize a sua trajetória, algo que passe para filhos, netos… Eu resgato a história da família na forma de uma obra de arte.

&D: E o público americano?
CG: Eu estive muitas vezes em Miami trabalhando, fiz bastante networking. Já vendi muito, tenho muitos clientes lá… Depois deixei em stand-by. Agora chegou o momento de levar uma parte do meu ateliê para lá. É claro que tem a dolarização, que no cenário atual acaba sendo positiva, mas o que me atrai é que lá existe um consumo muito grande de arte. Em dezembro, farei uma exposição em um dos eventos do Design District, durante a Art Basel de Miami.

&D: Por que o esporte é um tema tão recorrente nas suas obras?
CG: Não foi nada proposital. Anos atrás, eu fiz algumas peças por hobby e elas atraíram a atenção do Grupo Senna. Com as minhas criações, eu tento transmitir uma história. A obra se torna um símbolo da paixão que a pessoa tem pelo ídolo. Acho que foi isso o que conectou com as pessoas.

&D: Como você trabalha as madeiras e o ouro?
CG: Eu uso madeira clara e escura para ter contraste. Quando preciso de uma terceira cor, eu jogo o fogo. Sempre tive uma atração grande pelo metal, o ouro em si. E, estudando, descobri que ele é o melhor metal condutor de energia. Eu aplico o ouro para passar uma mensagem ou fazer uma conexão entre a obra e a pessoa.

&D: Como é seu processo criativo?
CG: Se for uma peça relacionada a um jogador, primeiro eu entendo o universo dele, os itens que ele usa no momento de jogo. Depois, os sentimentos gerados,
o que as pessoas enxergam. Por exemplo, quando um tenista quebra uma raquete, ele está expondo todos os sentimentos dele, o seu interior. Então eu ponho o ouro escorrendo da parte quebrada. Já um quarterback como o [americano] Tom Brady conduz a tropa no campo. Ele tem um mindset que está na bola e só ele enxerga. Por isso pus o cérebro dentro da bola.

&D: E no caso de coleções autorais?
CG: Até hoje eu só fiz uma coleção, a Blood of Aurum, de 2020. Levou mais de 10 anos, e eu não sei quando virá a segunda. Eu não gosto de forçar. Eu criei a Blood of Aurum num dia em que experimentei uma explosão de vários sentimentos, senti uma grande virada de chave: eu vendi um monte de obras, fechei projetos, foi muita coisa. Eu senti o que eu tinha de fazer.

&D: Você estava mais aberto?
CG: Eu busco estar sempre aberto. Quando eu era mais jovem, tentei ler um livro do Osho sobre criatividade, mas não fez muito sentido. Até que um dia eu estava passando por uma rua perto do meu antigo ateliê, e uma árvore tinha acabado de perder as folhas. Eram umas 5 h da manhã, e eu parei para sentir a brisa gelada que sempre batia ali. Olhando para aquela árvore, com o dia começando a amanhecer, eu vi a ramificação dos galhos e ela me lembrou brônquios e bronquíolos. E aí enxerguei a Blood of Aurum. Eu só consegui enxergar porque eu estava aberto. É disso que o Osho fala: de estar presente, observar e sentir. Eu levo isso para a vida. Hoje eu tenho essa árvore tatuada no braço.

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