Karol Suguikawa sabe que suas criações são um ato político! Com um olhar agênero, desenvolve peças para grandes marcas de design brasileiro e realiza pesquisas de tendências de mercado. Para o futuro, sonha com espaços diversos e design acessível.
POR JULYANA OLIVEIRA
Ela é dona de uma oratória primorosa e está sempre pronta para conversar sobre design com quem quer que seja. Karol Suguikawa, arquiteta e designer mato-grossense apaixonada por São Paulo, é pesquisadora de tendências desde que se entende por gente. “Eu vejo minhas publicações antigas no Facebook, coisas com mais de 15 anos, e eu estava avaliando desfiles da Prada, falando sobre cor”, relembra.
Sua primeira aparição na mídia especializada aconteceu em 2001, mas só nos idos de 2020 ela desembarcou em capas de revistas e despertou o interesse de grandes marcas. “Foi tardio, mas nada me foi dado. Foi-me devolvido”, aponta, com a segurança de quem sabe que realiza um trabalho para além das normas e técnicas de mobiliário. Karol olha como poucos para as margens, abraça comportamentos e vivências diversas, e traduz a pluralidade humana em peças que ora são obras de arte de alto custo, ora são funcionais e acessíveis à população. Em um bate-papo leve, falou sobre trajetória, inspirações, percalços e planos para o futuro.
&Design:: Como você chegou ao design de mobiliário?
Karol Suguikawa:: Foi sem prever, na verdade. Mas era uma coisa que eu já queria na faculdade [de Arquitetura]. Eu já desenhava alguma coisa de mobiliário. Na época, eu ganhei o Arquitetando Docol [concurso já extinto], que era de design de interiores, mas no ambiente havia algumas peças que eu tinha desenhado. Depois que eu me formei, senti muita dificuldade para entrar no mercado de arquitetura. Entre os escritórios de arquitetura, a maioria ainda é regida por homens. E você vê muita mulher fazendo interiores. É um mercado ainda misógino e cisgênero. Se uma mulher cis tem complicação para entrar, imagine eu que não sou cis.
&D:: Depois de cursar Arquitetura na Universidade Estadual de Goiás, você estudou Design no Politécnico em Milão. Como foi essa fase?
KS:: Quando eu terminei a faculdade, trabalhei numa loja de modulados. Lá, me mandaram o link para uma bolsa do POLI.design, um braço do Politécnico de Milão. Foi um processo seletivo bem complicado, com várias etapas. Quando passei na última, eu nem acreditava. O curso que eu fiz era um curso multiétnico, para internacionalizar a escola. Estudei lá por dois anos e, quando retornei ao Brasil, achei que tudo fosse acontecer de forma incrível, mas não aconteceu. Busquei vários lugares, e nada. Fui embora de São Paulo por falta de trabalho. Voltei para o Mato Grosso num período que combinou com o do início da pandemia e fiquei no sítio dos meus pais. Ali comecei minha virada.
Peças criadas pela designer com bandejas que se encaixam nas estruturas. Na imagem de capa,
Karol Suguikawa e a recém-lançada poltrona Bacio, para a Breton, drapeada à mão.
&D:: O que aconteceu?
KS:: Eu passei a acessar as pessoas, a chegar perto do que eu queria e de quem eu admirava. Fui para o Rio de Janeiro e fiquei dois meses fazendo curso com [designer] Zanini de Zanine. Também movimentei meu Instagram de forma feroz. Minha família não entendia nada! Eu estava lá no Mato Grosso, no meio do mato, a pandemia bombando, e eu bombando, fazendo tudo acontecer! Então me procuraram para fazer uma entrevista e sair na capa de uma revista. Um tempinho depois, eu acessei o Júnior [Guimarães], da Semana Criativa de Tiradentes. Ele e a Simone [Quintas], idealizadora do evento, adoraram os meus projetos e apresentaram a minha poltrona Vértice para o Arthur Grangeia, [atual diretor comercial] da Colormix. O Arthur amou e produziu. Aí a Tok&Stok me convidou para pesquisar tendências. Eu estava remota por causa da pandemia, então, imagine: pesquisando tendências e tomando banho de cachoeira na hora do almoço. Essa era a minha vida! Mas meu contrato rezava que, quando terminasse a pandemia, eu tinha de vir para São Paulo. Então, em 2021 eu voltei. Pouco depois veio o convite da Breton. Tudo foi acontecendo assim, mas o despertar foi na Semana Criativa de Tiradentes de 2021, com certeza. Foi lá que todo mundo me conheceu, toda a imprensa, os designers que eu já conhecia. Resumindo, eu vim para São Paulo [logo que terminei a faculdade] e fui jogada fora, mas depois voltei pela porta da frente, todo mundo me conhecendo. Atualmente, estou na Breton, desenhando, pesquisando e dando palestras.
&D:: O banco Tetta foi sua estreia com pé direito, não?
KS:: Ele foi minha primeira peça, e as pessoas gostaram de cara. Vários formadores de opinião já me pediram, e eu vendi um banco Tetta para fora. Quem quer um ícone compra o Tetta de madeira maciça, produzido pela Bunker. Para quem deseja investir em algo colecionável, tem o da Colormix, que é uma joia, por ser de mármore maciço. E quem procura uma peça a preço de mercado leva o Tetta em corte, que deve ser lançado neste ano com um valor muito bacana. Eu queria demais que meu projeto de design fosse desse jeito, que mostrasse o conceito e tivesse essa relação com peças colecionáveis. Mas eu também queria acessar várias pessoas e que elas pudessem comprar. Para o futuro, pretendo fazer um Tetta e colocar na internet para as pessoas baixarem e fazerem.
&D:: Como o seu processo criativo inicia?
KS:: Eu sempre pesquisei tendências, então o modo como as pessoas usam as coisas é meu grande mote. Estou falando de pesquisa de tendências de verdade. Essas análises vêm da base da pirâmide, onde está a maior parte dos consumidores. Mesmo que eu crie um produto de luxo, ele terá saído do desejo da maioria. Também tenho uma relação forte com a arquitetura. Minhas peças são superarquitetônicas. Quando você olha a mesa de centro Cunha, que desenhei para a Breton, ela é meio neoconcreta. A peça que eu apresentei em Tiradentes em 2022, o tapete Rua, tem um quê fortíssimo de brutalismo. Essas criações são resultado das pesquisas de tendências interseccionadas com arte, design, arquitetura e moda.
&D:: Fale um pouco mais sobre seu método de pesquisa de tendências.
KS:: Eu consulto sites como o do WGSN [empresa de previsões de tendências de consumo], pego informações de estudos internacionais, olho formadores de opinião, como a Li Edelkoort, que é uma papisa nessa área. E frequento vários lugares – do high ao low. É muito importante entender como as pessoas vivem, como consomem, como vibram à noite. É o lifestyle geral misturado com essas referências, com as vivências que eu tenho, com a história do design que eu conheço, com o que já aconteceu, com o que não aconteceu ainda e com o que precisa acontecer. É um olhar não centrado, um olhar que vem da borda. Minhas pesquisas são livres de gênero, livres de estereótipos que talvez passem batido por quem não tem a minha vivência.
&D:: De que forma ser uma mulher trans influencia suas criações?
KS:: Ser uma pessoa trans é ser alguém que, quando adolescente, se olhava no espelho e não se via. Uma pessoa que passou metade da vida sem se entender, sem ver parceiro. Ao mesmo tempo, são duas vidas vividas em uma. No meu processo de produção de mobiliário, eu parto de um olhar agênero e olho para as bordas. É um olhar de alguém que não está no mainstream – okay, eu estou agora, mas durante muito tempo não estive. Ocupar esse lugar é muito importante. Isso é fazer política.
&D:: Como você se imagina em dez anos?
KS:: Minha primeira aparição na mídia especializada foi em 2001, mas só em 2022 eu apareci na capa da Veja [São Paulo]. Há pessoas que acham que alguma coisa me foi dada. Na verdade, tudo foi devolvido. Já era para ter sido meu há muito tempo, sabe? Eu sinto muito que tenha demorado tanto para acontecer, mas, quando aconteceu, foi por conta disso [ser trans]. Quando eu penso no futuro, eu me vejo com mais pessoas trans fazendo o trabalho que eu faço, com mais mulheres trans exercendo a medicina, a psicologia e outras profissões. O design brasileiro precisa de uma pessoa como eu. Eu também precisava disso. Tudo aconteceu quando eu estava pronta. Meu grande desejo para daqui a dez anos é um mundo mais justo. Eu vejo um mundo com designers fazendo projetos que alcancem mais pessoas. Claro que essa roda gira com dinheiro. Mas eu acho que, no meio dessa engrenagem toda, a gente pode acessar métodos de hackear o sistema e colocar coisas de outra forma.