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Bestiário fantástico

O street artist Binho Ribeiro capricha nos animais com pegada poético-surrealista e nos personagens de conceito mais jovem para encher as cidades de encanto

POR ANGELA VILLARRUBIA

Um gigantesco polvo enrosca seus tentáculos no edifício Altino Arantes (o atual Farol Santander, em São Paulo), sob águas estranhamente límpidas. Acima dessa figura, uma grande carpa paira placidamente. Localizado em uma empena cega (fachada externa sem porta, janela ou qualquer outra abertura) perto do Viaduto Santa Efigênia, o grafite é um ímã para os olhos de quem vai em direção ao chamado Corredor Sul. E esse é, provavelmente, o trabalho mais conhecido do artista Fabio Luiz Santos Ribeiro, ou simplesmente Binho Ribeiro.

Ele pertence à chamada segunda geração brasileira do grafite, aquela que despontou nos anos de 1980 e que possui uma espécie de irmandade artística com o movimento do hip-hop. OSGEMEOS, Tinho e Vicci são alguns dos criativos que fazem parte dessa histórica fornada de talentos que sonhou alto, alcançou pódios criativos — com reconhecimento ao redor do Planeta — e fez seus sonhos acontecerem. “Esse grupo não foi o inicial [no País]. Mas foi o primeiro a acreditar nessa cultura e fez com que ela acontecesse. Quando começamos a pintar, descobrimos um mundo e influenciamos mui- tas pessoas a entrar nele. Somos pioneiros, mas não fomos os primeiros”, enfatiza Binho.

O artista já rodou cerca de 50 países e dei- xou sua marca em todos eles. Muitos motivos chamam a atenção em sua obra, porém, talvez o mais recorrente seja a carpa, que pipoca livremente, imersa ou flutuante, por toda a pauliceia alucinada – e em outros tantos pontos do Brasil. Não se trata de uma carpa co- mum, meramente linda e colorida, mas de um “modelo” desconstruído, fatiado para depois ser “costurado” por finos fios que o mantém unido e ondulante.

Quando criança, Binho era fã dos seriados enlatados japoneses, repletos de monstros que devastavam cidades inteiras — e hoje é admira- dor confesso de toda a cultura oriental. Tanto que, em 1999, chegou a morar no Japão. E, pelo jeito, foi tempo suficiente para embeber-se de suas tradições e deixar-se influenciar em seu trabalho. A carpa representa força, determina- ção e prosperidade na cultura japonesa. “Comecei a fragmentar os elementos, que são como cicatrizes. Eles mostram a necessidade da gente se recompor e se reconstruir. Por isso, temos as costuras. A mensagem é uma adapta- ção necessária ao dia a dia. A carpa sobe o rio [para colocar seus ovos] e é vencedora”, explica. Ainda na tradição oriental, esse vertebrado aquático, ao nadar contra a correnteza e alcançar o topo, tornava-se um dragão. Uma metamorfose e metáfora e tanto.

Nem todas as carpas de Binho — ou mesmo polvo, outro dos animais que frequentemente aparecem em seu trabalho de corte surrealista — têm a mesma linguagem. Muitas apresentam traços delicados e contornos finos; outras assi- nalam uma estética diferente, com linhas mar- cadas e objetivas, mais com jeitão de pertencer ao universo das histórias em quadrinhos.

Fã declarado das HQs, Binho explora per- sonagens que vira e mexe aparecem em algum muro, empena ou mesmo quadro. De lingua- gem mais jovem, surge Jorge, The Turtle, ou o Tubarone. Ainda é possível apreciar todo um zoológico fantástico em seu currículo, repleto de corujas, cobras, jacarés, sapos, coelhos, ba- ratas, grilos e abelhas, entre outros — embora também pinte motivos fora do reino animal. E assim, ele acredita que algum dia também dará o salto à poderosa linguagem dos quadrinhos.

Binho não deixa de ser uma síntese dos tempos atuais, com um pé na arte e outro no empreendedorismo. Além de street artist, pinta quadros, faz murais em espaços internos, reali- za trabalhos de cenografia, peças publicitárias, é jornalista (foi editor, durante vários anos, da revista Graffiti) e tem um ateliê/loja/café/ espaço de eventos, o 3o Mundo Lifestyle, loca- lizado em um icônico ponto do grafite paulis- tano: o Beco da Batman, na Vila Madalena. Também é curador (e um dos criadores) da Bienal Internacional de Graffiti Fine Arte e do Museu Aberto de Arte Urbana, ambos em São Paulo, entre outros. “O grafite não é uma coisa com a qual você realmente trabalhe, ele faz parte de uma cultura. Comecei em meados de 1984, quando também dançava break e andava de skate. Na época, achei bacana fazer meus desenhos em tamanho grande”, relembra. O que ele mais aprecia na arte grafiteira é a forma como ela lida com a liberdade de expressão, o desafio da técnica e o grupo de amizades nesse ambiente desprendido. “É a questão do descom- promisso, do fato de devolver para a parede aquilo que gosto e que aprecio, independente- mente de ter cachê ou não”, diz o artista que tem pintado quase todos os dias de sua vida. Paralelamente, Binho desenvolve um trabalho com letras, de tamanho amplo, difíceis de ler, mas cheias de movimento que até parecem dançar. Talvez ao ritmo do hip-hop.

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