A MODA PROTESTO DE ZUZU ANGEL

Defensora dos direitos humanos e pioneira em trazer elementos genuinamente brasileiros à moda, Zuzu Angel continua a inspirar as novas gerações antenadas
sobre estilo e tendências

FICA NO CAMINHO para o Alto da Boa Vista, no bairro carioca da Usina, o palacete de estilo eclético, do início do século 19, que hospeda com profissionalismo e graça um dos primeiros capítulos da moda brasileira. É o Instituto Zuzu Angel, que reabriu as portas recentemente após um período fechado na pandemia.

POR DÉBORA LUBLINSKI

Hildegard Angel, fundadora do instituto que leva o nome de sua mãe. Na pág. ao lado, Zuzu Angel mostra o tanque militar e o anjo na roupa da modelo

Fundado em 1993 pela jornalista Hildegard Angel, filha da estilista que dá nome à instituição, o espaço abriga a produção de Zuzu, tida como uma das pioneiras em fazer moda com brasilidade, além de outros acervos têxteis. Entre eles está a Coleção Carmen Terezinha Solbiati Mayrink Veiga, da icônica socialite carioca, dona de um conjunto de peças de alta costura estrelado por Pierre Cardin, Givenchy, Azzaro, Yves Saint Laurent, por exemplo. Também se destaca a Coleção Isabela Capeto, com cerca de 200 protótipos de roupas e acessórios doados pela própria designer carioca após o incêndio de seu ateliê em 2018. Todo o acervo está ao alcance de estudantes, professores e historiadores que desejem realizar pesquisas ali. “Sem dúvida, temos um papel fundamental na construção da identidade da moda brasileira”, diz Hildegard. “Mas a intenção primeira do instituto é preservar a memória da estilista Zuzu Angel, sua obra e sua luta, por meio da difusão de suas realizações e reivindicações.”

À frente do seu tempo

Zuzu Angel nasceu em 1921 como Zuleika de Souza Netto, no interior de Minas Gerais. Seu auge profissional aconteceu no início dos anos 1960, com sua loja descoladíssima em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro. Por lá passeavam celebridades locais e internacionais, como o escritor Paulo Coelho, o músico Raul Seixas e a atriz Liza Minelli. Em uma época em que as tendências eram todas importadas sobretudo da Europa, Zuzu foi pioneira em criar uma moda autoral genuinamente nossa. Valorizava a matéria-prima nacional, como a chita e a renda brasileira, e priorizava aviamentos de materiais sustentáveis quando a crise climática ainda era ficção científica – em suas criações, bambu e madeira apareciam no lugar de apetrechos de metal, por exemplo.

Zuzu posa em frente à vitrine da loja Bergdorf Goodman, em Nova York, no lançamento de sua coleção International Dateline Collection IV

“Mamãe costumava dizer: ‘A moda brasileira só pode ser internacional se for legítima’”, conta Hildegard. Assim, a costureira – Zuzu não gostava do título de estilista – foi buscar inspiração na história, na cultura, nas festas populares, nos mitos e nas lendas de nosso País para dar vida a suas peças. Na coleção Lampião e Maria Bonita, personagens do cangaço, macacões com a modelagem de saia-calça foram confeccionados em seda pura de estampa floral miúda e combinados com cinturões de metal dourado e tiras finas de tecido que cruzavam o peito, imitando cartucheiras. Para arrematar, botas longas de pelica e bolsinhas de moringa de coco enfeitadas com pedras preciosas brasileiras. Foi um sucesso, aqui e nos Estados Unidos.

Moda política

Dividindo a atenção com roupas, tecidos e outros artigos de costura, o Instituto Zuzu Angel reúne no mesmo endereço vasta documentação da dor de uma mãe – e de um marco brutal da história verde-amarela. Às vésperas da década de 1970, Stuart Jones, estudante de economia e filho de Zuzu, passou a combater a ditadura militar, instaurada em 1964. Um ano depois, com o desaparecimento do rapaz, começava a busca incessante da mãe pelo filho – e, depois, frente às suspeitas de tortura e morte, pelo corpo dele. Zuzu usou seu ofício e alcance internacional para protestar e foi a primeira a criar uma moda política no Brasil. Em setembro de 1971, durante um desfile na casa do cônsul do Brasil em Nova York, as modelos exibiram figurinos com delicados bordados de tanques, fuzis, canhões, quepes militares, sol aprisionado atrás de grades e pássaros em gaiolas. Ano após ano, a costureira articulou generais, senadores e celebridades para que a ajudassem a encontrar o corpo de Stuart, e sua luta ganhou as manchetes de jornais internacionais. 

Ainda assim, pouco tempo depois, em 1974, ela morreu em um “acidente” de carro suspeito na saída do Túnel Dois Irmãos, hoje batizado com o nome de Zuzu. Apenas em 1998, o governo brasileiro reconheceu que a costureira foi vítima da ditadura militar.

Vanguarda também na educação

Desde a morte de seu irmão e de sua mãe, Hildegard trava uma batalha não só para provar o assassinato de ambos, mas também para reunir, documentar e comunicar
o acervo – do alfinete utilizado em um moulage ao orçamento de desfiles –, os princípios e os ideais de Zuzu Angel. Dessa forma, em 1995, sob a coordenação do Instituto Zuzu Angel e com a parceria da Universidade Veiga de Almeida, nasceu o primeiro curso superior de moda do Estado do Rio de Janeiro. “Conectada ao conceito de brasilidade praticado por Zuzu, a proposta do curso era muito inovadora. Havia um corpo docente de vanguarda, laboratórios de criação e parcerias internacionais, como a da ESMOD, escola francesa”, lembra Celina de Farias, presidente do Conselho Internacional do Instituto Zuzu Angel. “Joãozinho 30 foi nosso professor, e o Carnaval carioca estava presente em diversos estudos e criações”, acrescenta.

Durante sua vigência, por cerca de 13 anos, a graduação foi reconhecida pelo MEC como uma das melhores do País e lançou profissionais de projeção nacional e internacional, como os estilistas Lethicia Bronstein e Thomaz Azulay, a figurinista Carol Lobato e a empresária Karina Sterenberg.

Hoje o Instituto Zuzu Angel ainda abriga a Academia Brasileira da Moda, com nomes como Costanza Pascolato, João Braga, Glória Kalil e Regina Guerreiro, que buscam preservar a memória da moda brasileira e discutir o futuro do segmento. “São 30 anos de amor à moda. Assim como Zuzu Angel, o instituto foi pioneiro. E seguimos de olho no futuro, inspirando novas gerações e discutindo pautas atuais. A inteligência artificial, por exemplo, é uma ferramenta que também mexe com o nosso universo. Como será o impacto dela na criação de moda?”, questiona e prenuncia Celina.

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