À frente da Yankatu, Maria Fernanda Paes de Barros realiza imersões com arte- sãos indígenas ou de populações ribeirinhas a fim de abraçar saberes tradicionais em suas coleções de móveis e objetos. DESIGN COM CALMA
Na abertura do evento Amazonie Immersive, realizado no final de setembro em Genebra, a designer Maria Fernanda Paes de Barros traçou um paralelo entre 1922, ocasião da Semana e Arte Moderna e do centenário da Independência, e 2022. “Há 100 anos, os artistas, filhos da elite, estudaram fora e retornaram com a visão da van- guarda europeia. Hoje, no bicentenário, devemos adotar o movimento inverso. Olhar para nossos povos, culturas, tradições e criar algo que faça sentido nesse momento histórico”, analisa. Desde 2014, é isso que ela propõe com a Yankatu, como conta a seguir.
&DESIGN: Por que escolheu uma palavra indígena para batizar sua marca? MARIA FERNANDA: Não quis lançar o meu nome porque sabia que não faria nada sozinha. Estava às voltas com isso quando deparei com um texto dos irmãos Villas-Bôas [sertanistas que, nos anos 1940, entraram em contato com os indígenas do oeste brasileiro] que cita uma crença dos camaiurá, segundo a qual nascemos com três almas: a do pai, a da mãe, e a essência, yankatu.
&D: A Yankatu quer resgatar no artesão, no consumidor e no mercado a importância e o valor das tradições artesanais. Na prática, como isso acontece?
MF: Aos poucos. No começo, foi complicada a aceitação externa. Sempre fiz meus lançamentos na MADE [feira anual de arte e design que ocorre desde 2013] e notei essa evolução. No início, as pessoas pediam informações sobre as peças e, quando falava que era artesanato, eu as via recuar. Mas segui batendo nessa tecla e senti que, em 2019, com a coleção Alma Raiz, o conceito floresceu. Hoje, esses artigos fazem parte da decoração do [hotel de luxo paulistano] Rosewood.
“O mundo precisa de equilíbrio e harmonia, e é isso que me move.”
&D: Então já houve uma mudança de mindset?
MF: Sim. Mas percebo que ainda falta reconhecer o artesão por trás do produto. A Semana Criativa de Tiradentes vem contribuindo para isso, e recentemente participei de um projeto no México com a mesma intenção. É por isso que cada artigo da Yankatu acompanha a “alma”, um caderno que conta sua história – como foi a imersão com a comunidade, a inspiração – e contém páginas em branco para registrar a continuidade dessa narrativa.
&D: Como você mapeia os artesãos com quem trabalha?
MF: Nunca determino para onde vou. Sou convidada por eventos ou instituições, como a Se- mana Criativa de Tiradentes, o museu A Casa, o instituto ArteSol, e aceito. Procuro não estudar nada antes, gosto de aprender com a comunidade, e o encontro flui. Primeiro, tem muita conversa. Só na segunda ida é que construímos algo juntos. Não interfiro no processo, apenas sugiro, em uma espécie de direção criativa, com muito tato e respeito. O conhecimento brota dos próprios artesãos e os itens nascem.
&D: Qual deve ser o desenho da parceira para que ela seja justa?
MF: Compro a produção da comunidade à vista, e é preciso ter sensibilidade para falar de preços. Pois os artesãos se acostumaram às pechinchas dos compradores, e não pode ser assim. Depois, no ateliê, incorporo a safra nas séries limita- das. E a participação de todos é reconhecida na “alma” de cada móvel ou objeto.
&D: Que questões permeiam a sua produção atual?
MF: Pelo nome da marca, muita gente entende que só trabalho com povos originários, mas a premissa por trás de tudo é a de união. Gostaria de envolver outras comunidades, como quilombolas, catadores, e seguir construindo um olhar cada vez mais plural, preservando a identidade de cada grupo. O mundo precisa de equilíbrio e harmonia, e é isso que me move.
As coleções de móveis e objetos da Yankatu são inspiradas pelos trabalhos de artesãos indígenas ou de populações ribeirinhas
// POR MARIANNE WENZEL