A fusão de tecnologia, racionalismo, intuição e poesia dá origem aos produtos da Lattoog, marca de design autoral lançada há 20 anos pelos amigos Leonardo Lattavo e Pedro Moog.
POR CRISTIANE TEIXEIRA
Primeiro aconteceu a amizade, lastreada no apreço pela arte. Depois surgiu a parceria de trabalho, que permitiu a Leonardo Lattavo, arquiteto, e Pedro Moog, administrador de empresas por formação, se assumirem como designers. Designers que imprimem a cultura e a paisagem cariocas nos produtos que concebem, sempre repletos de intuição, poesia, racionalidade e tecnologia. Leonardo morava em Londres, onde cursou mestrado em Arquitetura na University College of London, quando a dupla projetou seu móvel de estreia, o sofá Knot, uma estrutura tubular flexível estofada. Isso foi em 2001, fase em que o design ainda era hobby para ambos.
Três anos mais tarde, a abertura da Lattoog sacramentou o itinerário profissional e veio acompanhada da criação de um ícone da marca, a poltrona Pantosh. Lançada apenas em 2008, em um ano ela já vencia o Idea/Brasil e era finalista em duas premiações, uma nacional (Museu da Casa Brasileira) e outra internacional (iF Design Award, em Frankfurt). O modelo principia a série Viralata, formada por cruzamentos de clássicos do design – nesse caso, a cadeira Panton (1968), do dinamarquês Verner Panton, e a poltrona Willow (1902), do escocês Charles Rennie Mackintosh. “A Pantosh foi um sucesso e abriu três caminhos para a gente, porque nós debutamos como prestadores de serviço para a indústria, acessamos novas tecnologias e trouxemos um olhar com certa molecagem para o ato de projetar”, avalia Leonardo.
Acima, nos croquis, a fusão entre as poltronas Coconut e Mole, que deu origem à Moleco.
Acompanhe a entrevista da dupla.
& Design:: Como se deu a criação da poltrona Retalho, uma de suas primeiras peças?
Leonardo Latavo:: A nossa fase inicial foi de reconhecimento das matérias-primas, de saber como trabalhá-las. A gente pegava espuma, pedaços de metal, muitas sobras de madeira e processava isso. A gente se permitiu aprender por meio da experimentação, que é um processo bastante artesanal e artístico, porque se deixa levar pela conversa com a matéria-prima. E desse processo foram surgindo peças como a Retalho, que combinava caráter único – porque cada exemplar era feito à mão com sobras de madeiras diferentes – e certa racionalidade, já que o projeto precisava estar de acordo com alguns parâmetros fixos, como a espessura da madeira. Nesse diálogo entre o espírito livre, a arte, o aleatório, o projetual e o industrial, é que o nosso trabalho começou a ser forjado. Esse caráter experimental da primeira fase nunca nos abandonou.
&D:: A indústria ainda espera de vocês essa experimentação?
LL:: A indústria sempre espera um frescor, uma provocação. Esse algo diferente pode se relacionar à biomimética ou pode ser sobre como um maquinário de última geração vai funcionar.
Poltrona Botero, criada para aBell’Arte, com inspiração no pintor colombiano Fernando Botero. Slim, pendente linear com haste luminosa apoiada sobre duas gotas de madeira.
&D:: Os equipamentos atuais atendem a todas as necessidades de quem cria?
LL:: Existem fresas que moldam a madeira e ela sai com as formas que foram ditadas por um arquivo digital – mas ela não sai lixada. Então, a gente estava pensando como poderia ter uma ponta de fresa que trouxesse a peça já acabada, porque a superfície que a gente queria propor, mais texturizada, não funcionaria se fosse lixada à mão.
Pedro Moog:: A história da Pantosh cabe aqui. Tinha chegado a primeira geração de máquinas digitais para marcenaria, mas elas ainda eram usadas de modo convencional. Havia uma que era muito utilizada para fazer furação e corte, e o Leo trouxe a ideia de cortar as peças da Pantosh de uma chapa e fazer uma montagem que ficou diferente, bem orgânica. Então, a gente também olha esses equipamentos em busca de possibilidades diferentes.
&D:: Qual a origem da Pantosh e da série Viralata?
LL:: Quando a gente começou a criar móveis, veio o desejo de colocar mais uma camada de leitura, algo que fosse além do aspecto físico, que fosse um contexto cultural. A ideia da fusão surgiu enquanto eu morava em Londres e percebia a minha cultura por meio das diferenças. Temas como sincretismo religioso, miscigenação e antropofagia cultural ficaram muito presentes na nossa conversa. A gente questionava como trazer isso para um móvel. Então apareceu o design-fusão, essa coisa miscigenada que recebeu o nome de série Viralata. A gente passou a rabiscar essas misturas, que eram desafiadoras, mas divertidíssimas. Isso ficou no papel até 2008.
&D:: Como são escolhidas as peças para as fusões?
LL:: A gente admira muito todas elas, enxerga um valor cultural. Geralmente são peças modernistas ou com pelo menos 50 anos. A escolha vai pelo autodesafio… A gente vai rabiscando, vendo se aquele caminho é legal. Alguns desenhos ficam para trás. Para cada fusão lançada, a gente tem pelo menos umas cinco no papel. A própria Pantosh tem mais uns dez projetos da mesma combinação.
PM:: São os pais e os filhos: o DNA está ali, mas com algumas diferenças. Um dia a gente pode até lançar um irmão da Pantosh.
&D:: Quais as etapas do processo de criação de vocês?
LL:: Eu estou o tempo inteiro com um caderno de croquis. Tenho sei lá quantos cadernos guardados. Os desenhos de que nós mais gostamos são passados para a equipe do estúdio modelar e começar a desenvolver. Muitos nem saem da Lattoog, mas nenhum é perdido: os desenhos entram num caldeirão de ideias que depois vão se influenciando. Pensando que a gente já colocou uns 300 produtos no mercado, deve ter mais de 3 mil desenhados.
Sofá Monolitos, primeira criação da Lattoog para a Bell’Arte.
&D:: Vocês trabalham sempre por encomenda?
LL:: Não. A gente começou a Lattoog sem demanda, fazendo o que queria. Hoje a gente tem muita, muita demanda. Mas às vezes tem uma ideia que não encaixa em marca nenhuma: se a gente está muito a fim, a gente vai e faz. Como temos lojas próprias, nós criamos demandas para elas.
&D:: Qual o papel das lojas próprias – no Rio e em São Paulo – na história da Lattoog?
PM:: Elas são um laboratório contínuo, porque a gente convive com os modelos que são fabricados, o que não acontecia antes de as lojas existirem.
&D:: Em que momento do processo criativo entra o material?
LL:: Quando a gente presta um serviço de design, o que mais tem acontecido é as fábricas virem com uma agenda bastante livre: ‘Olha, vocês fazem o que quiserem, exceto pelo material. Tem de ser esse aqui’. A gente pode até agregar outros materiais que potencializem a operação, mas geralmente o material é prescritivo. A gente tem de descobrir o que ele faz, de que maquinário precisa. Isso é o mais legal de não ser especializado em nenhuma matéria-prima, porque nós estamos sempre loucos para descobrir novos materiais. Isso é o cerne de ser um desenhista industrial: matéria-prima e maquinário, e a transformação desses dois em produtos.