POR LÍVIA BREVES
AINDA HOJE, o designer Hugo Galindo, fundador e diretor criativo da ótica Zerezes, fica de olho nos descartes de madeira que vão para as ruas. Esse hábito foi fundamental para lançar a marca, em 2011, quando os óculos eram todos feitos desses materiais, em especial de tacos de pisos. “Percebemos que um taco tem o mesmo tamanho de um par de óculos e a coisa aconteceu”, comenta.
Vários lançamentos em madeira depois, a empresa deu um boom. Para ampliar a produção, aumentar o leque de modelos e entrar no mercado de grau, a matéria-prima mudou para o acetato. “Foi importante caminhar para o acetato, que dá muita liberdade ao design, é maleável e tem mais qualidade”, afirma o designer. No início
da transição, ele garimpava o material em fábricas desativadas no interior do estado, esquema que se manteve até a escala precisar aumentar mais uma vez.
O crescimento foi tamanho que hoje a Zerezes soma 250 funcionários, tem 22 lojas próprias espalhadas no País e pretende ampliá-las em breve para 100. “Acreditamos que podemos chegar a 300 pontos de venda”, estima Hugo. Os passos rumo a esse futuro são largos. Até meados deste ano, já tinham sido fabricados 150 mil óculos e abertos os primeiros endereços no Nordeste, em Salvador e Fortaleza, assim como a primeira flagship, no Leblon, no Rio. De fato, a marca criada por amigos durante as aulas de Desenho Industrial na Pontifícia Universidade Católica, a PUC-Rio, não demorou a extrapolar os limites da faculdade, do bairro, da cidade e do estado.
“Em 13 anos, muita coisa mudou, mas o que permanece igual é o olhar atento para o design e para as necessidades humanas. Se no começo aplicamos esse conceito ressignificando a madeira, agora fazemos isso redesenhando o universo óptico”, destaca Hugo, de 34 anos. “Mudamos a maneira como as pessoas consomem o produto e a forma como o setor tradicionalmente trabalha. Trouxemos mais leveza, mais transparência e a perspectiva do design para uma esfera que foi projetada sob uma perspectiva médica.”
Na opinião do empresário, o design vai além da etapa de desenvolvimento dos modelos. “Para desenhar, uso a experiência completa, do produto até a relação que se dá quando o cliente vai trocar uma lente, por exemplo.” Hugo sabe do que fala, já que coordena toda a parte criativa e de projeto das lojas, comandando uma equipe de designers e arquitetos. Para que uma ideia saia do papel, dois aspectos são considerados: as necessidades que os clientes apresentam e a observação do mundo da moda e do comportamento.
Para criar, sensibilidade e técnica
“Muitos óculos nascem da escuta do nosso consumidor, principalmente os de grau. Para cada um temos um processo de pesquisa em que definimos arquétipos, usando ferramentas da metodologia design thinking. Depois debatemos os detalhes: se será mais grosso, se a forma será retangular, até chegarmos no plano técnico e produzirmos”, detalha. Entre os sucessos da Zerezes estão o Leia, o Pape e o Bo. “Quando conseguimos acertar uma leitura comportamental de momento, vira um hit. Isso é muito curioso. Me orgulho demais da atemporalidade desses óculos que há anos lideram as vendas.”
O maior desafio, segundo o fundador da marca, é manter as raízes fincadas no design e no cuidado com as pessoas. “Deixamos para lançar em collabs os modelos mais criativos e diferentes – é quando podemos pirar mais. Por ano, fazemos quatro. A mais recente foi com a marca Katsukazan. Com a influencer Juju Lauca já tivemos óculos feitos de canudos descartados nas praias.”
O impacto que Hugo quer causar se estende ao social, por isso desenvolveu um projeto para estimular que estudantes da rede pública permaneçam na escola. “Nós vendemos visão e sabemos que um dos grandes motivos da evasão escolar é a criança não enxergar bem e, como consequência, não conseguir acompanhar as aulas. Até o fim do ano serão doados 10 mil óculos”, afirma. E conclui: “Isso é parte do design de uma empresa na sociedade. Tudo tem a ver com design. Como friso, mais do que uma peça, o que me interessa é desenhar um novo setor óptico”.