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TRANSBORDA

Conheça a família mineira que fez o bordado extravasar as roupas e os panos da casa, entornando suas linhas em traços livres para obras
de arte e literárias, que transbordaram pelo Brasil e pelo mundo. Com vocês, o Grupo Matizes Dumont!

POR SIMONE QUINTAS

Esta é a história da dona de casa e bordadeira Antônia e a de cinco dos seus oito filhos, que ao longo do caminho se entrelaçam com a de Ziraldo, Dorival Caymmi, Maria Bethânia, Jorge Amado, Portinari e com a de outros milhares de desconhecidos, que tiveram suas vidas tocadas e transformadas pelo bordar. Já deu pra perceber que não se trata de uma história qualquer.

Em Pirapora, Minas Gerais, município às margens do São Francisco, exatamente onde o rio começa a ser navegável por grandes embarcações, dona Antônia Zulma Diniz Dumont (1930-2023) educou as crianças ao estilo de vida simples da zona rural e das localidades pequenas. Dos tempos da roça, as lembranças dos filhos são os banhos de cachoeira e de rio, a criação dos próprios brinquedos e desenhos com sementes, toquinhos de madeira, bucha vegetal e pedras…

Recorte da obra Meninos no Balanço. Releitura de Candido Portinari. Coleção Coração em Paz, 2010.

Da vidinha gostosa da cidade, vêm à cabeça a proximidade com os avós, tios e muitos primos, os clubes literários que reunia a família na cozinha da avó, as apresentações do circo mambembe do nordestino Zé Bezerra, que rodava toda a região norte de Minas. “Tivemos o privilégio de termos pais e tios que contavam
histórias, gostavam de poesia, música, pintura. Crescemos acreditando que a arte é uma
maneira de engrandecer nossa alma”, conta Sávia Dumont, uma das filhas de dona Antônia e irmã de Ângela (1949-2023), Marilu, Martha e Demóstenes, que, com a mãe, formam o Grupo Matizes Dumont.

Em meio a essa efervescência cultural em que viviam também estava o bordado. Ele entrou na vida de dona Antônia aos 8 anos de
idade pela sua mãe, que a achava muito moleca e queria dar algo para entretê-la. Deu certo! Dona Antônia fez do seu caminho o do bordado. Bordou seu enxoval de casamento e o do nascimento dos filhos – quatro homens e quatro mulheres –, que, ao passo que aprendiam a ler, a andar de bicicleta, também aprendiam
a bordar. Os homens eram responsáveis por enrolar as linhas nas borboletinhas feitas com
o papelão das caixas de pasta de dente. Antônia bordava ao som da Rádio Nacional enquanto as filhas observavam. “A gente ficava dependurada nela para aprender”, lembram Sávia e Marilu.

A grande reviravolta na vida da mãe e das filhas bordadeiras aconteceu quando o irmão Demóstenes foi estudar Artes Plásticas na Escola Guignard, em Belo Horizonte, capital mineira. Lá, ele aprimorou o desenho e passou a riscar tudo o que as irmãs iriam bordar.

Recorte da obra Mulheres que Bordam entre Rios, Coleção Entre Rios, Entre Nós, 2018.

A primeira experiência foi o primeiro livro de Sávia, intitulado Rebelião das Raposas, cujos desenhos foram bordados pelo Grupo. “Fomos os primeiros a usar o bordado na ilustração de textos”, lembra Sávia.

O Matizes Dumont já ilustrou obras de grandes intelectuais brasileiros, como Jorge Amado, Ziraldo, Manoel de Barros, Thiago de Mello e Rubem Alves, entre outros. Segundo Marilu, Sávia e Demóstenes, quando Rebelião das
Raposas caiu nas mãos do Ziraldo (1932-2024), ele entregou ao Grupo as ilustrações de seu livro Menino do Rio Doce. “Foi o único livro que o próprio Ziraldo não ilustrou!”, contam.

“Depois foi a vez do livro de Ziraldo cair nas mãos de Jorge Amado, e ele escreveu uma carta dizendo que seria uma alegria imensa ter um livro bordado por nós”, diz Demóstenes. Desse pedido nasceu A Bola e o Goleiro.

Obra Exercício de Ser Criança. Ilustração livro do mesmo nome, de Manoel de Barros, 1999.

Entre as muitas conquistas, Demóstenes lembra com emoção de quando foram convidados a interpretar a canção O Que É Que a Baiana Tem?, de Dorival Caymmi, para uma exposição sobre o trabalho de vários músicos.
“Quando Caymmi, já velhinho, chegou lá e viu a nossa tela com as baianas bordadas, chorou de emoção”, lembra Demóstenes. Dessa participação, veio o convite para ilustrar e bordar a capa do CD Pirata, de Maria Bethânia, que rendeu o prêmio Sharp de projeto visual a Gringo Cardia.

Outro feito do Grupo foi a interpretação dos estudos do painel Guerra e Paz, de autoria
do pintor Candido Portinari, a convite do filho do artista, João Candido Portinari, que deu total liberdade para a Família Dumont
fazer a releitura, desde que não alterasse o traço. “Foram dois anos bordando Portinari”, lembra Marilu. O resultado fez parte de uma exposição e foi arrematado por um colecionador. Guerra e Paz foi um presente do Brasil para a sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Washington, no ano de 1956.

“Fizemos o bordado saltar das roupas, dos acessórios comuns, como almofadas e cortinas, para a academia e as galerias”, diz Sávia. Desde o primeiro livro, há 36 anos, o Matizes Dumont já bordou mais de 28 publicações, realizou 25 exposições no Brasil e também no exterior.

Obra Mulher que Borda Águas.

“Toda a nossa obra foi e é feita em cima do trabalho do Demóstenes”, conta Sávia. Com a chegada dele, elas passaram a bordar a brasilidade e deixaram de seguir receitas de revistas importadas. Seus desenhos circulam entre as irmãs e também pela mãe, até seu falecimento no ano passado, e cada uma dá a sua contribuição com suas inventividades e diferentes linhas. Trabalhos livres, espontâneos e sem regras.

Atualmente, Sávia, Martha e Demóstenes continuam produzindo, mas dedicam grande parte do tempo para o Instituto Antônia Diniz Dumont, onde capacitam mulheres para geração de emprego e renda, para acalentar a alma e para mobilizar sobre questões socioambientais.

Uma dessas atuações aconteceu em Brumadinho, MG, com 94 mulheres atingidas pelo rompimento da barragem. Foi a primeira vez que usaram o bordado para ressignificar a vida e trabalhar o luto. O resultado culminou numa exposição em Inhotim.

Nunca dona Antônia poderia imaginar que justo o bordado, que era tão natural quanto corriqueiro para ela, levaria sua família a voar tão alto e longe. As obras do Matizes Dumont podem ser adquiridas pelo site www.matizesdumont.com.

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