SUPER-HERÓI DE MUITAS MÍDIAS

Batman Zavareze, carioca do Méier, é o designer multimídia por trás da direção artística de shows e grandes eventos, além de assinar o visual do restaurante sensorial do chef Claude Troisgros. Em entrevista, ele fala sobre sua trajetória singular e plural

POR SIMONE RAITZIK

NÃO É À TOA que o festival concebido por nosso personagem há mais de 18, unindo tecnologia e arte, leva o nome Multiplicidade. Batman Zavareze tem uma obra extensa, variada e surpreendente, que abarca cenografia, vídeo e direção de arte para cinema, shows e teatro. Há quem o chame de super-herói digital, em alusão ao apelido vindo da infância, mas o designer foge de superlativos e prefere falar sobre os inúmeros projetos que realizou – e realiza – mundo afora.

“Se não houver autonomia e confiança, o trabalho não me interessa. Acho que conquistei a maioridade e não preciso provar mais nada”, dispara o dono de um currículo que inclui a assinatura do visual de shows como os de Marisa Monte, Roberto Carlos, Planet Hemp, Carlinhos Brown e Los Hermanos. Achou pouco? Também integram a lista a cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, e a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023. “Eu fico seduzido com o passado e o futuro, com o desenho à mão e a tecnologia. Os dois lados me movem com a mesma paixão e intensidade. Brinco com essa pororoca de técnicas

Batman transita em várias esferas, do meio artístico ao político, passando pelo corporativo, e possui amplo universo de referências, características que o ajudam a entender cada demanda. “Sou um ‘desespecialista’, como diria [o poeta e ensaísta] Haroldo de Campos. Com isso, posso assimilar de tudo um pouco, sem preconceitos.”

Acompanhe, a seguir, os melhores momentos da entrevista de duas horas com Batman – ou Marcelo Zavareze, se for para levar ao pé da certidão de nascimento, registrada no tradicional bairro carioca do Méier há 50 anos. A conversa aconteceu no pilotis do prédio onde o profissional mora com a família – a esposa, Miriam, e os dois filhos adolescentes –, um edifício encravado na mata e com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas, na capital fluminense.

&DESIGN: De onde vem seu apelido?
BATMAN ZAVAREZE: Batman veio dos quadrinhos que eu lia quando era jovem – eu desenhava direto o Batman, era quase uma assinatura. Mas virou uma verdadeira marca quando entrei na MTV, em 1991. Eu tinha 17 anos, estudava Desenho Industrial na Faculdade da Cidade e me candidatei para uma vaga de assistente de câmera. Havia 400 pessoas na fila, mas eu já fotografava e filmava em Super-8, então fui contratado. Rapidamente assimilei a tecnologia, mas nunca deixei de lado o desenho, o manual. Até hoje eu trago esse mix de técnicas para vários trabalhos.

&D: Conte sobre essa fase na MTV.
BZ: Na emissora, eu conheci o mundo artístico de perto. Entrei pelo departamento de Engenharia e comecei a ter acesso à gravação dos videoclipes. Ali fiz uma escola paralela à faculdade e muitas vezes pensei em largar a vida acadêmica. Mas consegui chegar até o fim. A MTV ficava dentro da Videofilmes e, nas horas vagas, eu ia aprender sobre lentes e acompanhar a produção do Walter Carvalho e do João Moreira Salles. Eles tinham uma enorme generosidade comigo, e eu perguntava o tempo todo: “Posso ajudar?”. Aprendi muito com eles.

&D: O que aconteceu quando você se formou?
BZ: Pois é, entrei em crise! Saí da MTV e achei que seria fotógrafo de cinema. Fui fazer um curso em Nova York e lá percebi que a profissão de câmera ia terminar. Os equipamentos tinham se popularizado e não fazia mais sentido trabalhar com algo tão complicado. Resolvi ir para Londres e abrir a cabeça. Queria ser um “desespecialista”, inspirado na escrita de Haroldo de Campos, e fui estudar pintura, modelo vivo e cenografia. Foi lá que vi também, pela primeira vez, um vídeo mapping num prédio e entendi que esse seria um caminho. Em seguida, ganhei uma bolsa para uma residência artística na Itália, na Fabrica, de Luciano Beneon e Oliviero Toscani, em Treviso, uma agência criativa e publicitária nada convencional. Fiquei ali por quase dois anos, no departamento de vídeo/design e arquitetura. O espaço era um projeto do arquiteto japonês Tadao Ando, e por lá transitavam Wim Wenders, Peter Gabriel… Lembro que assisti a uma palestra do [sociólogo] Domenico De Masi, e ele sugeriu que desligássemos a energia elétrica no meio do papo. Fizemos fogueira, alguém começou a tocar um instrumento. Foram experiências arrebatadoras.

&D: Como você incorporou essa vivência ao seu processo de criação?
BZ: Acredito em equipes multi, ou seja, com integrantes que trazem outras trajetórias profissionais. Para um show da Marisa Monte, por exemplo, fomos atrás de um hacker, que mapeou o corpo dela, criando imagens surpreendentes enquanto a Marisa se movimentava no palco.

&D: Como foi a volta ao Brasil depois da temporada na Fabrica?
BZ: Gringo Cardia me acolheu, assim como Bia Lessa, ambos cenógrafos e artistas que admiro muito. Eles iam fazer um trabalho para a Expo 2000, em Hannover [na Alemanha], e queriam que eu filmasse os ‘diferentes Brasis’. Foi um mergulho impressionante em realidades diversas.

&D: Qual a maior lição que você tirou dessas viagens?
BZ: Teve um senhor em Juazeiro do Norte, no Ceará, que me deu um depoimento que virou um mantra. Ele estava esculpindo uma porta, e perguntei quanto tempo tinha levado nessa empreitada. Ele disse: “Levei 78 anos para fazer em 30 dias”. Isso virou o resumo do meu processo criativo: levei 50 anos para fazer o show da Marisa Monte em 6 meses.

&D: Como começa o processo para um novo projeto?
BZ: Quando pedem algo parecido com o que já fiz, digo que vou achar um novo caminho. Às vezes tenho de sair da rota, ir para o mato, falar outra língua… Isso me coloca no lugar do ignorante e é assim que trago algo novo. Por exemplo, assinei o visual do restaurante sensorial do Claude Troisgros, o Mesa do Lado. Ele fez uma reunião comigo, me explicou o projeto e, no final, perguntou: “O que você faria?”. Eu disse: “Você é o maior chef que já conheci, provei aqui sabores que mexeram com a minha alma. Se eu lhe der uma resposta rápida, é porque eu quero muito pegar o trabalho ou então porque eu estou enganando você. Vou pensar com calma e, em algum momento, chegar a uma ideia”.

&D: Como apontar tendências para a arte com as novas tecnologias?
BZ: Comecei a ser questionado por várias instituições para traçar futuros. Mas acho que essa é uma pergunta equivocada. Na verdade, falar do futuro é olhar também para trás. O que tenho vontade, hoje, é de dividir meu conhecimento com quem não tem acesso. Quero ser a fonte para qualquer um encontrar o próprio talento, independentemente de futuro e tecnologia.

&D: Como você lida com os erros?
BZ: A gente arrisca, e muita coisa não dá certo. Mas é aí que se descobre o novo. A Marisa [Monte] “comprou” vários erros assim. E tem a intuição, o olhar para tudo. A solução para um cenário pode estar na fila do banco. Basta ficar atento, aberto para o acaso, e ser curioso.

&D: E o Multiplicidade, festival que você comanda há 18 anos?
BZ: O festival une imagem e som, com o atravessamento e o olhar da tecnologia. Há uma interseção de linguagens artísticas. Com essa curadoria, muitos artistas começaram a me procurar dizendo: “Quero fazer com você algo que não vi em nenhum lugar”. Tom Zé, por exemplo, queria tocar eletrodomésticos no show. Arnaldo Antunes buscava fazer poesia com pedais e loopings. Tive ali uma espécie de mestrado, porque consegui financiamento para trazer artistas de 50 países e mostrar novas linguagens e técnicas.

“Hoje meu tempo se divide em 50% para criar e 50% para ensinar. Sou a segunda geração de uma família do subúrbio carioca que teve acesso à universidade. Isso impacta demais no que vejo como meu legado. Por isso dou aula em escola pública, ensino fundamental. É aí que tudo começa.”

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