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O VALOR DO DESIGN DE SERVIÇOS

Novos hábitos de consumo exigem transformações nas relações entre empresas e clientes.

POR DANIELLA GRINBERGAS
ILUSTRAÇÕES LARISSA FERRÃO

O conceito de experiência do consumidor vem ganhando novos contornos e crescendo para além da venda de produto. O design de serviços amplia a lente sobre a atuação das empresas para gerar mais valor para quem compra, pensando o serviço intangível com uma abordagem centrada no ser humano. “Hoje em dia, absolutamente tudo é serviço. O design da experiência está em todas as etapas do processo de comunicação, aquisição e uso de qualquer produto. Quanto mais bem servidos somos, mais exigentes nos tornamos”, afirma Indio San, designer, diretor criativo e professor do Istituto Europeo di Design (IED) de São Paulo.

Se você já usou o Uber, pediu comida pelo IFood ou fez uma compra no Mercado Livre, então já foi impactado pelas melhores estratégias do design de serviços, que trabalha as operações do negócio de modo a oferecer ao cliente o que ele realmente precisa. Lá atrás, o Uber soube ler as expectativas dos usuários e criar diferentes modalidades de serviço – como carro compartilhado e entregas –, enquanto o Mercado Livre se articulou para entregar produtos no dia em que são adquiridos. Já o IFood é hoje o nome mais lembrado no quesito entrega de comida e mercado.

O design de serviços vem cavando cada vez mais espaço nas agendas de estratégia de companhias de diferentes setores. “Essa é uma área relativamente nova, mas  fundamental. Quando uma empresa entende que o valor está na orquestração dos pontos de contato com o cliente, nasce um novo modelo de negócio”, defende Manuela Quaresma, pesquisadora e professora do departamento de Artes & Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a PUC-Rio. Manuela ainda cita a Nespresso como exemplo de design de serviço bem amarrado: “A marca de cápsulas e máquinas de café vai muito além de seus produtos. Ela se preocupa com a experiência integral de quem consome a bebida”. Tudo começa pelo desenho das lojas e dos equipamentos, passa pelo atendimento personalizado, que inclui planos de fidelidade, e culmina com os serviços de entrega e de reciclagem das embalagens. Uma jornada completa, capaz de fidelizar. 

O balanço das empresas revela que o contentamento do consumidor é melhor do que qualquer estratégia de marketing. “Quando trazemos o foco para a geração de valor, nós reduzimos o custo de aquisição de clientes e o custo para servir, ampliamos a satisfação, diminuímos o churn (perda de receita e clientes) e aumentamos o CLV (customer lifetime value, que mostra quanto de receita o cliente representa para a empresa), entre outros indicadores que impactam diretamente o lucro”, pontua Luiz Alt, fundador e um dos responsáveis pela operação brasileira da Livework, primeira consultoria de design de serviços do mundo, nascida na Inglaterra.

NA PRÁTICA, FUNCIONA ASSIM

O modelo chega para compreender o serviço pelo olhar de quem o utiliza, percebendo as dores, os comportamentos e as necessidades dos envolvidos. Em seguida vem a estratégia de operacionalização dentro da própria empresa para mudar o percurso. “O design de serviços é a única disciplina que consegue promover uma visão real de quem é o cliente e de como está sendo a experiência dele, além de trazer um ferramental adequado para pensar na próxima versão de qualquer organização. Isso falta na maioria das companhias, ainda divididas em silos, o que as torna incapazes de avançar com uma visão holística”, aponta Luis Alt.

Uma das ferramentas mais usadas pelos designers, o Blueprint mapeia as interações que o cliente tem com a marca durante a prestação do serviço. “Funciona como uma planta baixa, na qual é possível visualizar a operação inteira e dividi-la entre as camadas que o consumidor é capaz de enxergar e o que está no backstage”, explica Manuela Quaresma. Segundo a professora, o processo de entendimento da jornada do cliente é minucioso e passa por diversas etapas. Começa pelas pesquisas de contexto, investigação e entrevistas para compreender o usuário, passa pela fase de ideação ou cocriação com base nos insights do levantamento inicial e chega à prototipagem e aos testes. “Para entender melhor as experiências e avaliar se a solução é eficiente, utilizamos a técnica de bodystorming, uma espécie de teatro que encena situações”, conta.

MOBILIDADE URBANA

Completamente atrelada ao design de serviços, a mobilidade urbana entra nessa jornada de diversas maneiras. “Aqui falamos do deslocamento de pessoas ou produtos, por transporte público, aplicativo de carro, de carona, de bicicleta e por aí vai. Enxergamos a mobilidade como serviço (conceito as a service)”, diz Manuela. Olhando para o IFood, por exemplo, o desenho da mobilidade responde pelo sucesso do modelo de negócio. Seguindo a lógica colaborativa, o serviço conecta três stakeholders de maneira eficiente, ligando o restaurante (ou loja) ao entregador e esse profissional ao cliente final.

Para além do transporte em si, o design de serviços também encontra a mobilidade em situações que minimizam a necessidade de deslocamentos. Basta observar as ofertas dos mais variados serviços dentro dos condomínios residenciais, como os minimercados autônomos, as feiras e as aulas de esportes nas áreas fitness. Há ainda outra faceta do design na mobilidade dentro das cidades. No dia a dia, o Waze é um dos serviços mais tangíveis: rastreando os itinerários de forma anônima, o aplicativo usa os dados agregados para prover serviços inteligentes de organização do tráfego. No mundo, são diversos os casos bem-sucedidos de tecnologias que melhoram os projetos urbanos, como sensores em vias e em semáforos para agregar inteligência e segurança ao trânsito.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL LIGANDO TUDO

O futuro está se desenhando agora, e o design de serviços atrelado à tecnologia é chave para a transformação de empresas e da forma como elas entregam valor. “Lembrando que essa é uma jornada contínua, de aprimoramento e construção constantes”, ensina Manuela. “A força da IA no design de serviços e na mobilidade urbana estará na sua capacidade de analisar grandes volumes de dados e tomar decisões em tempo real, o que permitirá desenvolver sistemas mais eficientes e adaptáveis”, ressalta Indio San. Na prática, ele fala de veículos que decidirão mudar de faixa, parar em semáforos e evitar obstáculos, tudo com base na inteligência artificial. “Isso não só melhorará a segurança, mas também aumentará a eficiência do trânsito, reduzindo congestionamentos e emissões de carbono”, afirma o especialista. Para o transporte coletivo, ele prevê sistemas de IA que serão capazes de projetar a demanda em diferentes horários e ajustar a oferta, minimizando tempos de espera e superlotação, além de monitorar a manutenção dos veículos, reduzindo falhas e ampliando a confiabilidade do serviço.

Até pouco tempo, a inteligência artificial parecia algo muito distante. Porém, conforme se soma à realidade de mais pessoas, é preciso prepará-las – e não só com  conhecimentos, como destaca o docente do IED: “As decisões éticas e morais em relação à aplicação do uso da tecnologia são responsabilidades e competências humanas. Como professores, responsáveis pelo desenvolvimento de nossos alunos, nossas metodologias e orientações seguem os frameworks sugeridos pelos guias de educação e IA para pioneiros da UNESCO e União Europeia”.

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