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ALQUIMIA CIRCULAR

Em apenas quatro anos de trajetória, o Assimply Studio ganhou destaque na cena do design brasileiro por trabalhar com materiais de descarte, transformados em móveis, objetos e utilitários produzidos de forma artesanal.

POR LÚCIA GUROVITZ

EM APENAS QUATRO ANOS DE TRAJETÓRIA, O ASSIMPLY STUDIO GANHOU DESTAQUE NA CENA DO DESIGN BRASILEIRO POR TRABALHAR COM MATERIAIS DE DESCARTE, TRANSFORMADOS EM MÓVEIS, OBJETOS E UTILITÁRIOS PRODUZIDOS DE FORMA ARTESANAL

Eles compartilham a vida e o trabalho. A casa onde moram, no bairro da Gamboa, na zona portuária do Rio de Janeiro, também funciona como ateliê, escritório e showroom. Entre sacos de entulho, fôrmas de modelagem, peças finalizadas e outras em andamento, o carioca Victor Huggo Xavier e o dinarmaquês Søren Hallberg, do Assimply Studio, trilham um caminho peculiar no design nacional. “A prática mais comum é começar um projeto pelo desenho. Nós, entretanto, partimos do material, sempre com o objetivo de reaproveitar descartes. Pegamos um pedaço de tijolo de demolição e nos perguntamos o que dá para fazer com ele”, explica Victor. A dupla tem diversos caminhos de investigação abertos, mas, no momento, é mais conhecida pela criação de móveis e objetos de granilite, técnica tradicional à qual incorpora resíduos de vidro, plástico, cerâmica e pedra.

O Assimply surgiu em 2021, durante a pandemia, como um hobby do casal. Na base da experimentação, Victor e Søren deram início a uma série artesanal de utilitários, como bandejas, porta-copos e bowls, que apresentavam nas redes sociais. “Os amigos se interessaram, novos seguidores descobriram nosso perfil e percebemos que havia potencial para desenvolver itens maiores”, diz Victor.

A MISTURA ESTÁ NA ESSÊNCIA DO ESTÚDIO

Nascido no subúrbio carioca e estudante de arquitetura e urbanismo na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Victor conheceu Søren em 2019, quando o dinamarquês, formado em design digital pela IT University de Copenhagen, participou de um intercâmbio na PUC Rio (Pontifícia Universidade Católica). Para batizar seu estúdio, os dois escolheram uma palavra inventada, que mescla os conceitos de assemble (montar) e simplicity (simplicidade). O novo vocábulo cai como uma luva para definir a produção da dupla, pautada em superfícies surpreendentes e na manualidade.

“Além disso, apesar de o Søren já falar português, até hoje conversamos bastante em inglês, nosso idioma em comum, e, como queríamos fundar uma empresa internacional, optamos por um nome que funcionasse em qualquer lugar do mundo”, conta. 

Não demorou para que o Assimply fizesse de fato sua estreia lá fora, na Semana de Design de Milão 2024, em duas exposições: Coccoloba, com curadoria do arquiteto e designer Bruno Simões, e Brasil Design Talents, capitaneada pelo jornalista Marcelo Lima – mostra que integrou a programação de 25 anos do Salão Satélite. No primeiro evento, Victor e Søren apresentaram a mesa lateral de granilite Mono no tom pistache; no segundo, a cadeira LT, composta de pequenos blocos prismáticos de madeira, papel, plástico, vidro e pedra, perfurados no centro e unidos por uma barra rosqueada. “O móvel foi inspirado no nosso catálogo de materiais, que chamamos de lixoteca. Reunimos amostras vindas de descartes e olhamos para elas como um repertório que podemos explorar”, descreve Victor. No lixo, nem sempre é possível encontrar o insumo desejado no formato adequado ou em grande quantidade. Daí a ideia de construir a cadeira com diversos quadradinhos. 

DAS COOPERATIVAS DE CATADORES PARA O ATELIÊ

A vontade de trabalhar com resíduos surgiu, segundo o designer carioca, de uma inquietação característica de sua geração. “Sentimos um incômodo com o mundo de hoje. Não vemos sentido em produzir com recursos novos e seguir extraindo da natureza.” Instalada no centro do Rio, região repleta de cooperativas de catadores, a dupla tem acesso fácil à matéria-prima para suas peças. O estúdio faz parte da nova cena criativa da zona portuária carioca. Está próximo da Fábrica Bhering – antiga indústria de chocolates convertida em coletivo de ateliês –, da Asfalto Galeria – voltada para a arte considerada periférica – e das marcenarias de Anna Passarelli e Pedro Sabão, entre outros designers.

Nos arredores, o clima é de cooperação e entusiasmo pelas conquistas de cada um. “Volta e meia, pedimos uma broca ou um verniz emprestado. Isso sem falar na troca de experiências, que é muito rica”, conta Victor. Dentro da oficina, ele e Søren se envolvem completamente na manufatura: desenham, fazem os moldes de madeira, metal ou silicone que dão forma às peças, trituram o entulho e se lançam em alquimias para desenvolver novos materiais. Hoje em dia, contam com o reforço de dois colaboradores, Lucas e Luan, ambos egressos de marmorarias. “Nossa ideia para o futuro é aumentar a escala de produção e estabelecer parcerias com indústrias interessadas em transformar seus resíduos em peças de design, reforçando a cadeia circular”, finaliza Victor.

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