Como o design e o cinema se misturam na composição dos pôsteres de filme.
Por Bruna Galvão | Fotos: Reproduções
Os cartazes de cinema são tão atrativos quanto os trailers. Alguns têm um projeto gráfico rico, chegando a ser verdadeiras obras de arte – e não é à toa que muitos cinéfilos (ou até quem não chegue a tanto) mantêm o hábito de decorar a parede de casa com eles.
Para falar sobre o design no cinema como forma de atração para os filmes, &Design convidou Maya Guizzo, professora de história do cinema do Istituto Europeo di Design de São Paulo (IED) para uma entrevista. Nela Maya fala sobre as mudanças da linguagem gráfica ao longo dos anos e comenta especificamente sobre o trabalho das designers.
“Sempre houve mulheres cumprindo funções criativas e executivas na história da arte, do cinema e do design, mas elas foram pouco lembradas ou mesmo apagadas dos livros”, afirma.
&DESIGN: Quais as principais mudanças de linguagem gráfica que os cartazes de cinema sofreram ao longo dos anos?
MAYA GUIZZO: Desde as primeiras sessões em sala de cinema, na Paris de 1895, os cartazes para os filmes exibidos no cinematógrafo dos irmãos Lumière eram produzidos por meio da técnica de impressão litográfica. Na década de 1920, eram ilustrações pintadas à mão sobre fotos de cenas de filmes.
Nesse caso, havia mais gestualidade e a assinatura de um “artista-artesão”. A partir dos anos 1930 e do movimento art déco, foram introduzidos elementos geométricos e cores fortes. Ocorre também a eliminação de fundos detalhados para fundos brancos ou em cores sólidas, além de mais rostos de personagens, em detrimento da representação de cenas.
Passa-se a usar técnicas de serigrafia. Outro marco dessa época é a experimentação de tipografias diferentes, mais ousadas, como o uso do desenho, do contorno à mão, de uma nova forma de pensar os alinhamentos. As composições são mais arejadas, com camadas metafóricas que tentam revelar o sentido do filme.
&D: No Brasil, como foi o processo do design nos cartazes de cinema? Quais são as características e peculiaridades?
MG: O movimento do Cinema Novo, nos anos 1960, propôs uma nova representação da identidade nacional na produção cinematográfica. Como exemplo, temos em 1964 o lançamento do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, com cartaz de Rogério Duarte, escritor, poeta, músico e designer baiano. O cartaz traz o close do personagem Corisco. Ele aparece encarando o espectador, segurando um punhal, que divide o seu rosto e é envolvido pelo círculo, que o “santifica”, como uma auréola ou coroa, que representa o sol da paisagem típica do sertão brasileiro.
Mulheres sempre existiram cumprindo funções criativas e executivas na história, mas sempre foram pouco lembradas ou mesmo apagadas dos livros.
Isso é diferente de um cenário fotografado com luz controlada em estúdios, como o das produções comerciais, influenciadas pelos musicais estadunidenses. Na mesma época, Helio Oiticica fez uma bandeira com a frase “Seja marginal, seja herói”. O design gráfico no Brasil, nessa época, é influenciado pelas escolas europeias, como a Bauhaus, e pelo movimento do Neoconcretismo.
&D: Ainda que vistas à margem desse processo, algumas designers produziram trabalhos marcantes no cinema nacional…
MG: Sempre houve mulheres cumprindo funções criativas e executivas na história da arte, do cinema e do design, mas elas foram pouco lembradas ou mesmo apagadas dos livros. No design, podemos nos recordar de mulheres como Hannah Hoch, do movimento dadaísta, e Anni Albers, formada na Bauhaus e especializada em design têxtil.
Enquanto Jacqueline Casey, Rosmarie Tissi e Paula Scher foram de suma importância para o design de cartazes para escolas, centros culturais e empresas. Lygia Pape teve trabalhos em colaboração com Geraldo de Barros. Ela criou imagens para os filmes do Cinema Novo em xilogravura.
Atualmente, no Brasil, a pernambucana Clara Moreira é a artista que realiza cartazes para os filmes de Kleber Mendonça, como Bacurau, O Som ao Redor e Recife Frio. Outros trabalhos de destaque dela, com outros cineastas, são Como Punhos Cerrados, de Pretti e Parente, e Ela Volta na Quinta, de André Novais Oliveira.
DESIGN COMENTADO
&Design selecionou cinco cartazes, de diferentes artistas e épocas, para a professora Maya Guizzo analisar.
O Encouraçado Potemkin, de Serguei Eisenstein, 1925.
Designer: Alexander Rodchenko
Resultado do movimento construtivista russo, que teve no cinema sua maior repercussão por meio das obras de Dziga Vertov e Sergei Eisenstein. A orientação espacial do cartaz está na horizontal, como a tela do cinema. E há um espelhamento, que simula o navio e um tanque de guerra.
Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock, 1958.
Designer: Saul Bass
Tipografias vernaculares, feitas à mão. Há uma síntese gráfica, que não se apoia literalmente na cena do filme, mas traduz de forma simbólica a vertigem do protagonista. O círculo que o envolve na queda tem forma hipnótica: é um túnel e, ao mesmo tempo, um olho.
Deus e o Diabo na Terra do Sol, Glauber Rocha, 1964.
Designer: Rogério Duarte
Reflete um período de experimentações nas artes gráficas, com a sobreposição de mesmos elementos (o sol) com transparência, uso de cores inusitadas (amarelo e magenta), raios que rotacionam, com sobreposição tipográfica.
Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, 2019.
Designer: Clara Moreira
Linguagem digital, pós-produção presente nos cartazes da atualidade, mas de forma minimalista. Usa foto no fundo neutro, escuro, para dar destaque a um elemento em primeiro plano. O pássaro no ar parece prestes a atacar um inseto. Há algo que vai atacar ou que resiste, que aparenta terror e beleza ao mesmo tempo.
Destacamento Blood, de Spike Lee, 2020.
Designer: Emory Douglas
Maior designer, diretor criativo e ilustrador negro, Douglas foi fundamental para a propaganda do partido dos Panteras Negras nos anos 1960. Sua estética se tornou uma ferramenta política ao criar os cartazes e os periódicos do movimento. Lee o convidou a recriar um de seus cartazes como o pôster do filme.