A fronteira cada vez mais tênue entre o on e offline, exige mais do que adaptação, mas muita atenção para que possamos tirar o melhor proveito do futuro.
Por Patricia Travassos
Que a gente já passa boa parte do nosso tempo no ambiente virtual, não resta dúvida. De frente para as telas, a nossa atenção se concentra tanto no online que, os ambientes reais têm sido vistos meio de canto de olho ou a serviço das de- mandas digitais.
Basta observar a febre na criação de espaços “Instagramáveis” em pontos turísticos visando atrair mais visitantes e em restaurantes ávidos por clientes novos. Aliás, quem nunca comeu um prato frio porque inventou de postar uma foto antes da primeira garfada?
Também já virou rotina tropeçar na rua por distração do celular. Tem cidade na Europa, testando instalar semáforos de LED nas calçadas para alertar os pedestres mais conectados… ou seriam desconectados da realidade?
Bom, o fato é que não dá para negar o impacto das novas tecnologias no nosso comportamento e na forma como ocupamos o mundo real. E isso não é de hoje. Antes de olhar para o futuro, vamos relembrar o passado: antigamente, as casas tinham cozinhas grandes e tudo girava em torno da mesa de jantar.
A partir dos anos 50, a TV passou a reinar nas salas de estar, transferindo a reunião familiar para o sofá. Todos de frente para a tela.
Sim, o olho no olho diminuiu, mas só virou artigo raro mesmo na era das multitelas. Cada um com as suas. Se o casal prefere gêneros diferentes de filmes, cada um vê o seu. Os dois podem até permanecer lado a lado, mas mergulhados em telas, fones de ouvido e mundos individuais. E o que mais pode vir pela frente?
Na Casa Cor 2022, no Rio de Janeiro, a arquiteta Gisele Taranto convida o visitante para uma experiência híbrida. Ela espalhou 20 Códigos QR pelo lindo bambuzal imperial que recepciona quem chega ao casarão Brando Barbosa, localizado no Jardim Botânico. É só apontar o celular e obras do artista plástico Carlos Vergara surgem em movimento na tela, como se estivessem instaladas entre as hastes do bambu.
Em mais de 50 anos de carreira, Vergara já explorou diversos suportes: da cerâmica à fotografia, passando pela pintura, escultura… Ver a obra dele em holografia ou em NFT é mais uma prova do olhar incansável de um artista, atento à potência que a tecnologia pode emprestar à sua obra. “A arte não tem tempo. Eu não faço retrospectiva, eu faço prospectiva. Eu olho pra frente, porra!”, diz Vergara esbanjando energia, aos 82 anos.
A realidade aumentada, que mistura o ambiente físico com o digital, tem sido a porta de entrada do tão falado metaverso. O mercado de NFTs não para de crescer, inclusive no Brasil. “Estamos construindo a história em tempo real.
Sabemos que as pessoas só se conectam de forma emocional com qualquer ambiente (físico ou digital). Então, estamos levando arte e experiências de entretenimento marcantes para o metaverso”, afirma o fundador da Meta Agency, Byron Mendes. Ele representa dezenas de artistas que, assim como o Carlos Vergara, estão criando e até comercializando suas obras certificadas em tecnologia blockchain.
A realidade aumentada, que mistura o ambiente físico com o digital, tem sido a porta de entrada do tão falado metaverso.
Agora, a primeira pergunta que vem à cabeça é: quem compra NFT? Atualmente, os maiores compradores desse tipo de arte são investidores que apostam na valorização do metaverso e começam a criar suas coleções de objetos digitais autênticos. Ok, mas e onde essas pessoas podem expor suas obras?
É aí que entra um novo ambiente proposto pela arquiteta Gisele Taranto. Ela acredita que nossas residências tendem a se preparar para acolher toda essa novidade. Hoje, é possível exibir NFTs em telas e pendurá-las na parede como quadros eletrônicos.
Mas a ideia não é essa e, por isto, a arquiteta propõe que as pessoas construam, como mais um cômodo da casa, uma espécie de galeria virtual (no metaverso) para convidar os amigos a visitar e a conhecer suas coleções de NFT.
“Não me interessa replicar ambientes que já temos no mundo real. E sim aproveitar as infinitas possibilidades que o metaverso oferece. Lá os objetos não estão sujeitos às leis da física. Eles podem flutuar e nós mesmos podemos voar. Então, vamos explorar esse potencial com criatividade”, provoca Taranto.
Quando entrarmos de vez nesse universo paralelo, teremos trocado a interface das telas pelos óculos de realidade virtual. Nessa outra dimensão, somos avatares para os quais escolhemos a aparência que quisermos.
Nessa fronteira que eu costumo chamar de “all line” exige da gente, mais do que adaptação, muita atenção para que possamos tirar o melhor proveito do futuro. E isso serve também para os ambientes onde escolhemos viver e transitar, aqui ou ali. Que nunca falte autenticidade, personalidade e, por que não, memória.
Patrícia Travassos jornalista, diretora do filme Inspira e colunista de tecnologia e inovação da CNN Brasil.