Com uma linguagem autoral desenvolvida nos grandes formatos da street art, Ananda Nahu enfileira projetos sob medida para marcas sem nunca deixar o grafite para trás.
POR MARIANNE WENZEL
O que um isqueiro, uma banheira e um tapete têm em comum? Todos constam do portfólio recente de Ananda Nahu, artista visual que nasceu em Juazeiro (BA), cresceu em Petrolina (PE), estudou em Salvador (BA) e hoje vive no Rio de Janeiro (RJ). Lançados ou exibidos ao longo de 2023, às vésperas dos 20 anos de carreira da andarilha Ananda, esses produtos parecem consolidar seu caminho, ao mesmo tempo em que pavimentam novas possibilidades.
“A arte de rua pode ter uma vida muito curta. Desde cedo, meus colegas me aconselhavam a desapegar. Uma vez que um grafite fica pronto, ele pode ser apagado a qualquer momento e temos de nos contentar com o registro em foto”, diz ela. “Além disso, um objeto de bolso com tiragem de dois milhões de cópias coloca um novo público em contato com o meu trabalho”, afirma, referindo-se às estampas criadas para isqueiros da bic.
150 anos de Kohler, 2023
Seus motivos, espécie de colcha de retalhos de iconografias antropológicas e culturais, vibrantes e coloridas, aparecem também em uma linha comemorativa dos 150 anos da Kohler, mostrada no Salão do Móvel de Milão em 2023. Banheira, pia e vaso sanitário, em tiragem limitada, serviram de tela para a arte de Ananda, representante do Brasil nessa iniciativa que também envolveu profissionais da China, da Índia e dos Estados Unidos, mercados mais importantes para a marca.
Ela não tem certeza, mas desconfia que a indicação para participar dessa empreitada de alcance internacional guarda relação com sua entrega para o Rosewood, hotel de luxo dentro do Complexo Cidade Matarazzo, em São Paulo. Ali ela integra o time de artistas convidados pelo curador Marc Pottier para realizar intervenções ou expor suas obras.
Seus murais, finalizados em 2021, demandaram uma dedicação de três meses e ocupam todo o terceiro andar do hotel.
Na imagem de capa, retrato de Ananda Nahu e na imagem acima, intervenção para hotel Rosewood e tapete para o hub AYA.
Mais recentemente, com a inauguração do AYA, hub de sustentabilidade vizinho do Rosewood, é possível ver também dois tapetes com sua assinatura, um com 17 e outro com 23 metros de comprimento, ambos produzidos pela By Kamy. “Quando o suporte não é um muro ou uma parede, muda tudo: o tamanho, a proporção, a forma de visualização. Foi um desafio, adoraria ter a oportunidade de experimentar mais”, conta a autora.
“Ela não pinta coisas apenas bonitas, coloridas e figurativas. Suas personagens contam histórias. Falam dos muitos Brasis que podemos encontrar por aqui, e convidam o espectador a viajar por um mundo de heranças africanas, indígenas e elementos como o ouro de Minas Gerais”, observa Pottier, mesmo responsável, atualmente, pela presença de um mural de Ananda em um tapume que resguarda um futuro empreendimento da Gafisa no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro.
Em meio a essas aproximações, Ananda voltou às ruas ao participar do Cores do Brasil, projeto da Prefeitura do Rio de Janeiro para levar arte ao longo da Transbrasil, corredor de BRT na Avenida Brasil. Ela assumiu, com dois assistentes, nada menos que dois murais, 32 portas, duas entradas e uma torre da estação Into. “A gente pintou das 19h às 6h durante uma semana. Esse esquema é normal nessa área, porque de dia há muito movimento e interferências. Hoje pelo menos tenho equipe, mas já fiz isso inúmeras vezes sozinha, em lugares ermos”, conta ela, que sente certa responsabilidade social ao ganhar tanta visibilidade. “O grafite, por suas dimensões, exerce um impacto muito grande na paisagem e no humor das pessoas. Então, não gosto de fazer artes agressivas, pesadas. Há formas de ser ativista e tratar temas sensíveis como preconceito, racismo e questões de gênero, ou temas delicados, como ancestralidade e povos originários, por meio da beleza e da positividade”, acredita.
Ao lado, projeto da estação Into, Avenida Brasil.