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Escultura como paradoxo

É sabido que a SP-Arte funciona como canteiro germinal ou vitrine de ideias pontuais que se desenvolvem simultaneamente. Em sua mais recente edição, a escultura primou, por um lado, como uma arte bela e eloquente, e, por outro, sua exibição “efêmera” deixou novas interrogações sobre possíveis percursos. Talvez
a qualidade do crescimento de propostas se deva ao fato de que hoje ela lidera a disputa entre o ser ou não ser na triangulação entre bienais, instituições e mercado – lembrando que o Pavilhão Brasileiro na 59a Bienal de Veneza foi a instalação Com o Coração Saindo pela Boca (2022). Obra do alagoano Jonathas de Andrade, ela é uma representação em escala humana de ditados populares, como o ‘entrar por um ouvido e sair pelo outro’, sugerindo que o acesso do visitante ao pavilhão fosse pelo órgão da audição.

Henrique Oliveira – Sem Título, 2023. Óleo, papelão e tela de arame sobre madeira.

Duas décadas após o início do atual milênio, a chamada ‘Geração 00’, que se consolida a partir dos anos 2000, consegue fazer dessa manifestação um eco da frase da importante artista mineira Maria Martins: “Não esqueça que eu venho dos trópicos”. Palavras que fazem um apelo à polissemia e à diversidade da obra escultórica. Selvagem e irrequieta, ela navega nas águas do paradoxal nessa faixa do globo terrestre; alcança um status de igual para igual com seus antecessores da arte conceitual; e adverte para a necessidade do desvio e do desejo, nos enlaces com a psicanálise e o surrealismo.

Na 20a SP-Arte, o espectador viu novas e antigas obras de Tunga, pernambucano que desde os anos 1980 é destaque. Em uma delas, Sem Título (Galeria Millan), um amontoado de asas de borboleta em metal vazado cai em cascata, num resultado de beleza sublime, porém incerta. Reforçando mais que o volume, a qualidade do desenho no espaço, ela funciona como pivô da escultura paradoxal da Geração 00. Estará implícita uma menção ao efeito borboleta e à teoria do caos? O inseto bíparo servindo à ideia de que uma pequena variação nas condições criadas – inclusive o batimento de asas de uma borboleta – dentro de um sistema determinista não linear acaba alterando estados posteriores. Divergente, amplificada e simbólica, essa escultura ecoa no debate da nova geração.

Com base em um jogo circular que recorre ao sensorial e à visão, a escultura prima como objeto em Cadeiras de Pernas Cruzadas (Particular Gallery), do mineiro radicado no Rio Luiz Philippe. E parece ser um dos melhores exemplos dessa arte levada ao absurdo. Com humor, ele faz um comentário indireto à forma tripartida que, segundo Max Bill, primava em toda boa escultura concreta. Em um jogo visual, e lexical, a cadeira apoia-se sobre três pontos, já que as pernas frontais dão lugar a sensuais pernas cruzadas.

A obra da mineira Solange Pessoa (Galeria Mendes Wood) lança mão de outro reduto imagético, operando na tensão entre forma e título. Realizado em bronze, o trabalho simula meteoros enquanto brinca com o conceito da escultura. Convertido em estatuto de “descoberta geológica”, o título completa o sentido: Metaflor-Metaflora. Em tempos de metaverso, o nome é a isca para prender o espectador em uma relação hipnótica, em que analogias conectam esses conceitos.

 

Ecoando o badalado conceito de “escultura como campo ampliado”, da historiadora e crítica de arte Rosalind Krauss, a obra do paulista Henrique Oliveira (Galeria Millan) lateja no espaço. As criações em tamanho monumental, ou em formatos pequenos (como a que pendia do estande da feira), nos levam a notar um movimento orgânico no espaço em que a escultura se instala. São vultos jorrados, compostos de finas camadas de madeira e polpa de papel coberto com resina. Em um estágio de aparência, de trompe l’oeil, o trabalho simula um livre fluir e (quase) literalmente desborda e transborda os marcos do entorno da peça.

Observamos semelhantes aspirações em Túlio Pinto (Galeria Millan) e Ana Holck (Zipper Galeria). Para eles, escultura é sinônimo de princípio ativo ou movimento potencial.

A chave está na qualidade do material que principia e se prolonga a partir de um jogo com seus opostos, gerando um deslocamento. E tudo é efeito da matéria. Na obra de Túlio, uma coluna composta de dois cubos de ferro é interrompida pelo mármore de aparência mole, num contraponto entre o pesado e o frágil. Dentro desse mesmo ânimo de correspondências, Ana Holck compõe casulos que intitula Entroncados: finos túneis de porcelana por onde passam fios de aço, num movimento curvo. Encolher ou dilatar, descontrair e enrolar conforme nosso desejo – eis a questão.

A geração atuante, sem âncora precisa no construtivo, mas ainda levemente cúmplice dos emblemas do concreto e do neoconcreto, faz do material, das geometrias, dos princípios ativos e do jogo paradoxal seus novos apelos. Que melhor resposta a escultura expandida pode oferecer a um mundo mais incerto e diverso?

Xenia Bergman é historiadora de arte, PHD em Estética e História da Arte pelo Programa Pós-Graduação Interunidades MAC USP. É curadora independente e colaboradora da revista de arte latino- americana ArtNexus.

POR XENIA BERGMAN

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