É POSSÍVEL IR ALÉM DAS SOLUÇÕES ÓBVIAS E PRATICAR A SUSTENTABILIDADE DE MODO MAIS AMPLO NA ARQUITETURA E NA CONSTRUÇÃO. A CHAVE ESTÁ NO PROJETO
POR JANAÍNA SILVA
Se há alguns anos o termo sustentabilidade era relacionado à reciclagem de materiais e ao uso de placas solares para aquecimento da água, agora inovações associadas à descarbonização entram na mira de quem quer construir reduzindo ou até eliminando a emissão de gases de efeito estufa. Mas nada é tão eficiente quanto ter projetos arquitetônicos pensados desde o princípio para aproveitar com qualidade o que a natureza nos dá e, ao mesmo tempo, evitar danos ambientais, dispensando compensações futuras.
“Hoje existe mais tecnologia e é possível ir além do básico. A relação custo-benefício se tornou muito mais viável e um projeto sustentável bem-feito pode ser tão competitivo quanto outro que não leva esse aspecto em consideração”, afirma o engenheiro civil Lula Gouveia, sócio do arquiteto Thiago Rodrigues e do especialista em marketing Antonio Carlos Figueira de Mello no escritório de arquitetura Superlimão. “Antes falávamos de captar a água de chuva, aproveitar a energia solar, e, agora, já podemos devolver a água ao manancial e usar energia eólica ou híbrida.”
“A SUSTENTABILIDADE TEM QUE ESTAR NO PRIMEIRO RABISCO DO PROJETO. É PRECISO ENXERGAR O TODO, BUSCANDO SOLUÇÕES MAIS ECOLÓGICAS, EFICIENTES E AGRADÁVEIS” FERNANDO FORTE, SÓCIO DO FGMF ARQUITETOS
JARDINS PARA TRATAR ESGOTO
Um projeto do Superlimão que exemplifica a fala do engenheiro é o Ecomuseu, a ser construído na capital amapaense, Macapá. Organizado em quatro edificações principais, o museu integrará o Amaparque, um dos maiores parques urbanos do mundo. Todo o esgoto será tratado por uma empresa especializada em fitorremediação, tecnologia que faz uso de jardins cultivados com plantas específicas para descontaminar a água e deixá-la adequada para novo uso ou retorno à natureza com qualidade superior. Tratamento semelhante receberá a água da chuva que alimentará os dois espelhos d’água na praça central.
Para o prédio da Oca, que se vale de técnicas indígenas de construção, os arquitetos escolheram telhas cerâmicas para fechar a estrutura metálica – estudos prévios de eficiência energética mostraram que esse seria o melhor material para manter a temperatura interna agradável. Mas o próprio desenho do edifício contribui para o conforto, já que possibilita a ventilação cruzada e a saída do ar quente pelo alto da cobertura, dispensando o ar-condicionado no salão principal. “Quando se fala de um projeto sustentável, fala-se de um projeto mais eficiente, capaz de funcionar tão bem, ou melhor, quanto um tradicional e com custos menores, se comparado com outro sem essas preocupações”, afirma Lula Gouveia.
Pode-se dizer que é o que acontece com a Casa Terra, que deu ao Atelier O’Reilly o primeiro lugar no 5º Prêmio Saint-Gobain de Arquitetura, na categoria residencial, em 2018. Do planejamento da arquitetura à manutenção da construção e ao seu eventual desmonte no futuro, o projeto erguido em Itatiba, no interior paulista, incluiu premissas sustentáveis em todas as etapas, “criando um sistema fechado no qual nada se perde”, explica a arquiteta Patricia O’Reilly, fundadora do escritório. A execução surpreende pela combinação de três sistemas construtivos – wood frame, aço e paredes autoportantes de terra –, o que não apenas reduziu o custo do metro quadrado construído, o tempo de obra e a geração de resíduos, mas também trouxe ganhos no controle da umidade interna e na eficiência térmica e acústica da casa.
INSOLAÇÃO E VENTO NA MEDIDA CERTA
Antes de focar na arquitetura da Casa Guararapes, um showroom de produtos derivados de madeira em Caçador, SC, a arquiteta Sami Meira, da UGreen, consultoria especializada em construções sustentáveis, dedicou-se à análise climática da região (radiação solar, temperatura do ar, ventos e umidade) e a inúmeras simulações até encontrar a melhor orientação para a construção no terreno. Esses estudos colaboraram, ainda, para projetar fachadas que captam o calor no inverno e evitam o aquecimento excessivo no verão, para calcular o tamanho de cada janela e para definir os vidros. A especialista enxerga na fase de planejamento as maiores chances de redução dos impactos de uma obra, para que não seja preciso compensá-los mais tarde. É quando a sustentabilidade se torna proativa e não reativa, como diz.

“A sustentabilidade tem que estar no primeiro rabisco do projeto. Há muitos traços da arquitetura brasileira – como elementos vazados, cobogós e beirais – que possibilitam o conforto térmico, por exemplo. É preciso enxergar o todo, buscando soluções mais ecológicas, eficientes e agradáveis”, afirma Fernando Forte, sócio do FGMF Arquitetos, que assina o Ibira Work. O edifício de escritórios próximo ao Parque do Ibirapuera, em São Paulo, não economiza em varandas – elas são generosas e estão em todos os níveis – nem em escadas descobertas que colocam os usuários em contato frequente com o verde e não apenas quando estão no rooftop. Focado no bem-estar, o projeto beneficia os ocupantes com espaços ambientalmente agradáveis e eficiência energética, qualidades obtidas em função de vários estudos preliminares. Um dos primeiros, claro, foi o que orientou a correta implantação do prédio no terreno e garantiu insolação adequada, ventilação cruzada, aproveitamento ideal da área disponível e a presença marcante do paisagismo.



















