Depois de permanecer fechado por quase uma década, o Museu do Ipiranga, o mais antigo da capital paulista, reabre as portas ao público com novas áreas e apresentando uma obra de restauro jamais vista no Brasil.
Era 1884, o italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi, engenheiro e arquiteto que trabalhou em várias cidades brasileiras para a Corte Imperial, foi contratado para projetar um edifício-monumento na colina onde D. Pedro I deu o grito da independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822.
Baseado no estilo de um palácio renascentista, o projeto original do prédio tinha a forma de ‘E’. As duas alas laterais, no entanto, não foram feitas por falta de recurso.
Aliás, a construção, erguida com tijolos cerâmicos – novidade para a época –, com 123 metros de comprimento e 16 metros de profundidade, 3 pavimentos e 1 subsolo, só pôde ser finalizada graças ao dinheiro arrecadado em loterias, ação proposta pela Assembleia Legislativa Provincial deSão Paulo.
Acima, duas obras-primas do acervo: a maquete de gesso da cidade de São Paulo, do século 19, e o quadro O Grito do Ipiranga, de Pedro Américo, datado de 1888 e vista do salão onde estão expostas as estátuas dos bandeirantes e pinturas que mostram acontecimentos históricos, como o ciclo do ouro e a caça aos indígenas.
Em 7 de setembro de 1895, o edifício foi oficialmente inaugurado, contendo um acervo voltado para a História Natural. Faltava, porém, planejar o jardim.Para isso, escalou-se o paisagista belga Arsênio Puttemans, que o executou seguindo as características dos jardins franceses, principalmente os do Palácio de Versalhes.
Em 1922, no Centenário da Independência, o Museu do Ipiranga recebeu novas aquisições: esculturas de mármore dos bandeirantes ocuparam os nichos do saguão; medalhões pintados com os retratos dos líderes da independência brasileira compuseram o Salão Nobre junto ao quadro “Independência ou Morte”, pintado por Pedro Américo, em 1888 – uma das mais relevantes obras do acervo; e documentos e obras sobre a história paulista reforçaram o novo caráter histórico da instituição.
Outra fase importante começou a ser traçada em 1963, quando a Universidade de São Paulo assumiu a gerência desse patrimônio, tornando-o numa instituição voltada para ensino e pesquisas. “A partir daí, o acervo passa a adotar itens relacionados à cultura material da sociedade brasileira, do mundo do trabalho e da família”, afirma o professor Amâncio de Oliveira, vice-diretor do Museu do Ipiranga, cujo nome oficial é Museu Paulista.
Problemas estruturais, a falta de acessibilidade e de segurança levaram ao fechamento do espaço em 2013. Nove longos anos se passaram até sua reabertura em 7 de setembro de 2022, data da celebração do Bicentenário da Independência.
“Tivemos de acondicionar todo o acervo – com mais de 450 mil itens – em outros locais, catalogá-lo e retorná-lo ao museu depois de tudo restaurado. A captação de recursos da iniciativa também demorou para acontecer e, nesse sentido, deve-se reconhecer o importante papel do Governo do Estado nesse processo”, diz o vice-diretor.
Passado revisitado
Vencedor do concurso público para a restauração e a modernização do célebre conjunto paulistano, o projeto do escritório H+F Arquitetos procurou interferir o mínimo possível na volumetria do edifício, mas ampliou os espaços de recepção, exposição e administração.
O acesso pelas escadas foi substituído por uma passagem subterrânea, que integrou o jardim ao prédio por meio de enormes vidraças, permitindo observar os chafarizes e o paisagismo do Parque da Independência. Nessa nova área de convivência, os arquitetos alocaram bilheteria, livraria, café e auditório, além de escadas rolantes que levam o frequentador ao hall de entrada.
A área de cobertura do prédio, com 800 m2, antes usada para armazenar a reserva técnica, transformou-se em espaço expositivo e o topo da construção, em mirante. “Encontramos registros de que, na inauguração em 1895, as pessoas puderam subir na cobertura. Resolvemos, então, que essa experiência deveria ser compartilhada com o visitante do século 21, pois a vista dali revela uma geografia surpreendente”, afirmou o arquiteto Eduardo Ferroni durante uma entrevista.
Com a reabertura, o museu apresenta 11 exposições, de pinturas a moedas, passando por brinquedos e louças, que perdurarão de três a cincoanos. Em novembro, estreou a mostra “Memória da Independência”, que permanece até março de 2023. “O Museu do Ipiranga resgata nossa identidade desde a Independência, recupera a história e amplifica, revelando a dinâmica da sociedade brasileira e o confronto entre o tradicional, o moderno e o contemporâneo”, conclui Oliveira.
// Por Regina Galvão