A ACEITAÇÃO DO ARTISTA

Um dos maiores nomes da arte contemporânea, o carioca Maxwell Alexandre vive uma fase de muitas mudanças, que vão da paternidade recente – determinante para as obras que está produzindo – a um novo projeto musical


POR LÍVIA BREVES

AS PINTURAS DE MAXWELL ALEXANDRE estão diferentes. Trabalhando em um pequeno ateliê em casa desde que sua primeira filha nasceu, ele passou a usar pastel seco e oleoso em quadros que diminuíram de escala para se adaptar ao novo contexto espacial. Ficaram para trás, temporariamente fora de linha, as gigantes obras pinceladas a óleo em papel pardo que fizeram sua fama. “Entendi que a sujeira e o cheiro da tinta não seriam uma boa ideia. Preciso estar pronto para pôr a mão na Goia a qualquer momento”, conta o artista, que batizou esses trabalhos de “pinturas de berço”.

Um dos maiores nomes da arte contemporânea brasileira, Maxwell foi eleito em 2023 Homem do Ano na Cultura pela revista GQ, premiação que tem um significado ampliado para ele: “Eu não ganhei na categoria artes plásticas. Ganhei na cultura, e é muito pertinente, porque acho que minha atuação está para além das artes. O que eu faço está começando a ser assimilado”, avalia. Aos 34 anos, ele vive uma realidade que não guarda nenhuma semelhança com aquela em que nasceu. Hoje morador de um apartamento com vista para cartões- postais do Rio, como a Praia do Flamengo e o Pão de Açúcar, o artista foi criado na Rocinha, subindo e descendo o morro em uma das maiores favelas do Brasil, de onde saiu pouco tempo atrás. Um ambiente muito diferente do que sua filha vai conhecer. “A Goia está crescendo num apartamento de luxo de quase 300 m2 na Avenida Rui Barbosa, no meio de artistas. Vai estudar nas melhores escolas, ter uma passabilidade social de outra ordem, isso é imensurável para mim.”

Dos patins à vida farta

Formado em Design pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica), Maxwell foi atravessado pela arte de maneira quase imprevisível, ainda que sua mãe sempre dissesse que o desenho era o dom que Deus havia dado a seu filho. “Quando fui procurar o ensino superior, vi que o curso de Design da PUC – ali do lado de casa – abraçava a fotografia, o cinema e a gravura. Foi essa amplitude que ratificou minha escolha, uma vez que abrangia tudo aquilo com que eu já estava envolvido.”

Ele se refere à prática de patins street que o levou, na época, a organizar campeonatos, desenhar marcas e roupas, fotografar, filmar exibições e editar vídeos. Para Maxwell, a fragmentação do saber no campo da criatividade que marca o curso de Design está alinhada com a não especialização do conhecimento característica dos dias de hoje. “Você aprende sobre empreendedorismo, filosofia, sociologia, fotografia, gravura e, o mais importante, tem as disciplinas de projeto baseadas em antropologia”, relembra. “Eu não consigo me imaginar indo para uma escola de Belas Artes para aprender técnicas de pintura. A pintura contemporânea é tudo o que está ao redor dela mesma”, diz o artista, com a experiência de quem já teve obras expostas nos maiores museus e galerias do Brasil, além de Nova York, Paris, Londres, Madri e Marrakech.

Apesar da fama e de reconhecer que seu trabalho vem sendo reverenciado, não foi simples se sentir totalmente inserido na cena. “Não existe o arquétipo do pintor negro na história da arte, daí vem a dificuldade de me enxergar num ofício poético, glamurizado, exaltado pela elite. A ideia de ganhar a vida com uma atividade sublinhada por esses adjetivos parecia utópica demais, sempre me remeteu à coisa de playboy, à vida ganha. É um estado de espírito de calmaria que minha vida nunca me permitiu. Hoje estou no processo de aceitar que minha vida mudou, de deixar de criar problemas e me envolver com esses adjetivos que a vida ganha de um pintor permite.” 

Tudo pode mudar, até os temas

O papel pardo banal, que está na rotina de muita gente, carrega outras camadas de significado nas mãos do artista. Ele o escolheu em contraste às telas de tecido que tradicionalmente servem de base à pintura – e lembra que o termo “pardo” é usado como forma de amenizar a negritude. Com a série Pardo É Papel, de 2019, Maxwell esteve no MAC Lyon (França), “o primeiro museu que acreditou de verdade no meu trabalho, me deu uma individual no início de carreira, comprou minha obra para o acervo e me recebeu em suas acomodações durante um mês de residência. Um museu que foi literalmente a minha casa”, como faz questão de relatar. Depois foi para o MAR (RJ), a Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre), o Instituto Tomie Ohtake (São Paulo) e a Bienal da Tailândia. A série seguinte, batizada de Novo Poder, levou

seu trabalho ao Palais de Tokyo (Paris) e à galeria A Gentil Carioca (Rio de Janeiro e São Paulo). Em 2022, pinturas das duas séries integraram sua primeira mostra individual em Nova York; no ano seguinte, a estreia foi em Madri. A série mais recente, Clube, espelha a bonança de seu momento presente. “Ela é um reflexo da minha vida abastada de hoje, de onde circulo, com quem eu ando. Uma vida de fartura, de bem-estar, de passe livre, de arquitetura ampla, iluminada, arejada”, conta. Então observa: “Pintar esse assunto me aproxima da tradição, do desenho acadêmico. Me sinto mais livre para ser o artista tradicional que tentei não ser. Eu quero esse lugar do pintor que monta o cavalete na frente do oceano e das montanhas. Estou pintando o que estou vivendo”. Num País de tantas assimetrias, em que a cor da pele quase sempre fala sobre as condições socioeconômicas, as pinturas do ex-morador da Rocinha ganharam personagens brancos. “Eu sempre busquei ser diferente, estar na vanguarda. No entanto, o que mais tem me interessado nesse momento é o lugar- comum. Pintar a pele branca me coloca ao lado da massa de artistas que tratam desse tema central na história da arte e da pintura: o homem branco.” Em suas estimativas, Clube deve crescer pelos próximos cinco anos, enquanto Maxwell se multiplica em outros projetos.

Entre eles, está a música, com o disco Davinci, em que produz, canta e cria as bases em um programa de edição de vídeo, meio com o qual está mais familiarizado. “Meu processo de criar é decupar músicas prontas que baixo da internet, separando seus elementos e criando pequenos ‘rapó’. A palavra correta é rapport, que no design indica a ideia de padronagem, ritmo, repetição.” O tema é a história da arte: “Passa pelo circuito de arte contemporânea e suas questões mais intrínsecas que pouco são faladas abertamente. Eu acabo misturando referências de meu crescimento na favela da Rocinha e também minha experiência como cristão evangélico, atleta e militar, quando fui soldado no Exército Brasileiro. As bases são como mantras, o disco é religioso”, dá o spoiler.

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