Ao conceber a reconstrução de um colégio estadual destruído por um temporal, Fernando Brandão acabou criando um projeto que pode reinventar nossa arquitetura escolar
Por que levantar um prédio do zero quando ali do lado havia um ginásio de esportes que se provara resistente às chuvas torrenciais que varreram São Sebastião,
no litoral norte paulista, em fevereiro de 2023? A pergunta na mente do arquiteto Fernando Brandão, com escritórios em São Paulo e Xangai, na China, foi o ponto de partida para o projeto de reconstrução da Escola Estadual Plinio Gonçalves de Oliveira Santos, no bairro Juqueí.
Encarregado pelo Governo do Estado de São Paulo de entregar a escola em menos de um ano, o arquiteto – que desde 2010 é professor da DeTao Masters Academy em parceria com a Peking University e a Fudan Shanghai University – surpreendeu ao propor criar as salas de aula dentro do ginásio. Com a obra acontecendo em um espaço coberto, as frequentes chuvas típicas da região não comprometeriam o ritmo dos trabalhos.
E assim foi. Além do layout inovador, com transparências, ausência de corredores e áreas que incentivam a integração da comunidade escolar, o projeto mirou na tecnologia dentro das salas de aula, cumprindo uma intenção da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), responsável por executar as políticas educacionais definidas
pela Secretaria Estadual de Educação. Assim, à lousa comum juntaram-se telas interativas e TVs, equipamentos que facilitam o engajamento dos estudantes. Para experiências mais imersivas, existem as realidades aumentada e virtual.
A preocupação com a acústica foi grande e tanto orientou o design do espaço quanto a instalação de painéis acústicos que diminuem os ruídos. Já a iluminação é adaptável, ajustando-se automaticamente conforme as necessidades. As propostas de Fernando Brandão foram tão bem aceitas que ele já está projetando outras escolas públicas na região. O processo construtivo varia, porém permanece o mais importante: o conceito, que aqui se desdobra em integração e sustentabilidade, entre outros. Acompanhe o depoimento do arquiteto Fernando Brandão para &DESIGN.
“ REFLETINDO SOBRE O DESAFIO de reconstruir a Escola Estadual Plinio Gonçalves de Oliveira Santos, devastada por uma tempestade sem precedentes, percebi que esse projeto não seria somente uma reconstrução, mas uma oportunidade para infundir no espaço valores profundos que guiam meu trabalho como arquiteto. Ao decidir que o resiliente ginásio seria o coração do novo projeto, recebendo as salas de aula, eu estava não apenas optando por preservar uma estrutura, mas também por simbolizar a continuidade e a resistência, conceitos que eu queria que permeassem cada detalhe da escola.
Todos nós estudamos em uma sala de aula com uma porta num canto, janelas na parede oposta e a lousa em uma terceira parede. Está na hora de mudar isso. E foi
o que eu fiz. Os conceitos de colaboração e flexibilidade orientaram o design das novas salas, que se despediram das paredes rígidas em favor de configurações abertas e modulares, dotadas de tecnologia de ponta. Cada sala tem quatro paredes estruturais fixas, e os quatro cantos ficam abertos, com portas de vidro.
Esse layout e essa transparência promovem a interação constante e reforçam a sensação de pertencimento, ajudando a criar um ambiente onde alunos e professores se sentem parte de um coletivo engajado e dinâmico. A sustentabilidade, pilar essencial na minha prática, foi destacada por meio de materiais ecológicos e da integração de novas tecnologias e automação. Nós quebramos paradigmas e fizemos a estrutura das salas – distribuídas em dois andares – de madeira laminada cruzada (ou CLT), tecnologia ainda pouco conhecida no Brasil, mas largamente utilizada no mundo todo.
Muitos achavam que a CLT – produzida em pinus, uma espécie de reflorestamento – seria frágil, mas ela é tão resistente quanto o concreto e tão eficiente quanto o aço. Além disso, concreto e aço têm a pegada de carbono muito superior à da madeira. Nesse projeto, as paredes dos ambientes superiores se apoiam nas extremidades das paredes do andar de baixo. Assim, a estrutura fica toda travada, numa solução inteligente e rápida para montar as salas, e com geração de pouquíssimo resíduo. Decisões como essa reduzem o impacto ambiental da escola e servem como lição diária para os estudantes sobre a importância de cuidar do nosso Planeta.
A humanidade e a sensibilidade foram considerações centrais ao projetar um espaço que acolhe a todos, independentemente de suas necessidades. Trabalhando com iluminação adaptável e melhor acústica, além de garantir a acessibilidade com rampas e elevadores, desejei criar um ambiente onde cada pessoa se sinta valorizada e apoiada.
“A humanidade e a sensibilidade foram considerações centrais ao projetar um espaço que acolhe a todos, independentemente de suas necessidades”
Esse projeto transformador redefiniu meu entendimento sobre o meu papel como arquiteto. Não sou apenas alguém que constrói edifícios, mas alguém que ajuda a moldar comunidades e a inspirar futuras gerações. Sinto-me honrado por ter a oportunidade de aplicar esses princípios em um projeto que verdadeiramente transforma vidas, refletindo a essência da arquitetura como uma força para o bem social e ambiental.”